Como Aécio usou o Judiciário para calar a imprensa de Minas Gerais. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 8 de maio de 2018 às 18:15
Oswaldo, um dos homens das malas de Aécio, e o ex-governador

 

Decisão judicial de 2013 que proibiu site de noticiar tudo que agora se sabe ser verdadeiro

 

Ainda há muito por ser revelado a respeito do submundo da administração do senador Aécio Neves no Estado de Minas Gerais, que foi de 1o. de janeiro de 2003, quando ele assumiu o governo, até 31 dezembro de 2014, quando terminou o mandato de Antonio Anastasia.

Uma das frestas para essa realidade é representada pelo conjunto de ações judiciais movidas contra o Novo Jornal e seu proprietário, Marco Aurélio Carone.

O Novo Jornal, site na internet com estrutura minúscula e audiência gigantesca, foi alvo de tantas investidas do grupo ligado a Aécio que seu proprietário acabou preso, e os arquivos do jornal desapareceram, depois de serem confiscados pela Polícia Civil, com autorização da Justiça e anuência do Ministério Público do Estado.

Enquanto a velha imprensa de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, apresentavam Aécio como estadista, probo e moderno, o Novo Jornal denunciava as falcatruas ocorrida no Estado.

E também o comportamento estranho de Aécio — foram eles que noticiaram sua internação no hospital Mater Dei por overdose de cocaína, informação desmentida pelo hospital.

Também foi veementemente desmentida na época a informação veiculada pelo Novo Jornal de que o empresário Oswaldo Borges, casado com uma filha do padrasto de Aécio, era operador das propinas recebidas em nome de Aécio.

Borges foi presidente da Codemig, a companhia de desenvolvimento de Minas Gerais, responsável pelo maior obra de Aécio, a Cidade Administrativa, entre 2003 e 2014.

Depois que a Lava Jato deixou de ser obra exclusiva de Sergio Moro, a investigação acabou por bater nas portas de Borges, investigado por receber malas de dinheiro enquanto Aécio governava o Estado.

Mas poderia ter chegado muito antes, se a Justiça de Minas Gerais não tivesse blindado o grupo do ex-governador. O Novo Jornal denunciou várias ações suspeitas de Codemig, inclusive relacionadas à Cidade Administrativa, quando ainda não havia nem os alicerces da obra.

Em vez de investigar o que Carone e o jornalista Geraldo Elísio, editor do Novo Jornal, denunciaram, a Justiça proibiu o site de publicar notícias relacionadas à Codemig e ordenou que tudo o que havia sido publicado fosse retirado do ar.

É o que se pode ver no processo 13.042.227-2, na 5a. Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte. Em abril de 2013, quando lava jato era apenas sinônimo de uma empresa de limpeza de automóveis, o juiz Adriano de Mesquita Carneiro atendeu a um pedido da empresa, presidida por Oswaldo, e censurou o Novo Jornal.

“Determino que Marco Aurélio Flores Carone e Nova Opção Ltda. (empresa proprietária do site) retirem do site www.novojornal.com, bem como de todos os outros com os quais tenham gerência, administração ou poder de interferir, de alguma forma, todas as matérias que envolvam o nome da Codemig, citadas ou não”, sentenciou.

O juiz Adriano de Mesquitas Carneiro decidiu ainda que o Novo Jornal não poderia mais publicar nada a respeito da Codemig sem citar expressamente fonte, observando-se “rigorosamente as normas éticas e tradicionais do jornalismo sério”. Ainda assim, sem fazer comentário.

Carone tomou conhecimento de que o processo ainda está aberto e que ainda vigora a decisão de ele não pode fazer nenhum comentário sobre a Codemig esta semana. Foram servidores públicos que enviaram a ele, depois que encontraram os autos nos escaninhos da 5a. Vara.

No processo, um dos argumentos da Codemig para silenciar o Novo Jornal foi uma reportagem da revista IstoÉ que noticiou sua prisão, que, como se sabe hoje, foi descabida.

“Um achacador na cadeia” é o título do artigo, publicado no início de 2014. “Justiça de Minas enfrenta quadrilha de falsários, determina a prisão de empresário que usava site para extorsões e polícia encontra documentos que podem ligá-lo a atentado contra um promotor”.

Nada dessas afirmações ficou comprovada — e seria interessante saber como e por quanto esta reportagem foi parar nas páginas da IstoÉ —, ainda assim contribuíram para que Carone passasse quase um ano preso — três meses em solitária.

No cárcere, onde teve ataque cardíaco, Carone conta que tinha a companhia de um rato, com o qual, para manter a lucidez, costumava conversar. “Eu perguntava a ele como a mentira podia triunfar, como os maus se davam bem, na época não tinha muita esperança”, afirma.

Para alívio de Carone, Aécio não venceu a eleição em 2014. “Tenho até medo de pensar no que aconteceria comigo e com qualquer outra adversário do grupo de Aécio”, afirma.

O grupo de Aécio perdeu até em Minas, mas, a rigor, não está de todo destituído de poder.

No governo de Fernando Pimentel, o grupo de Aécio conserva alguns nacos de autoridade, inclusive na Polícia Civil, onde um delegado que tenta investigar o submundo de Aécio sofre resistência, inclusive da corregedoria.

Mas o maior poder do ex-governador ainda se encontra no Ministério Público e no Judiciário, que deram cobertura para que Aécio pudesse se apresentar como uma solução para o Brasil.

Nada mais fora da realidade, como se vê pelo processo contra Carone e o Novo Jornal que, em última análise, foi contra a liberdade de imprensa.

Se a liberdade (e a verdadeira Justiça) tivesse prevalecido, quem deveria ter ido para a cadeia era o presidente da Codemig, Oswaldo Borges, não o dono do jornal que ele denunciou.

Marco Aurélio Carone, do Novo Jornal: ele perguntava a um rato na cadeia como era possível os maus se darem bem