Fraude da merenda: o estranho caso do deputado tucano que parou de defender a delação premiada. Por Mauro Donato

Atualizado em 5 de fevereiro de 2016 às 12:00

“Eu não roubo merenda,

Eu não sou deputado,

Trabalho todo dia,

Não roubo meu Estado”

Esses versos foram entoados por milhares de integrantes da Gaviões da Fiel (torcida organizada do Corinthians) no último dia 31 em frente à Federação Paulista de Futebol. Eram endereçados a Fernando Capez, atual presidente da Assembléia Legislativa, suspeito de envolvimento no caso de propinas na merenda escolar.

Capez foi citado no depoimento do lobista Marcel Ferreira Julio. Segundo o intermediador, Capez levava 10%. Jéter Rodrigues, ex-assessor de Capez, já confirmou ter se encontrado com o lobista para ‘destravar o contrato’ do governo estadual com a Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar), empresa que vendia por R$ 6,80 um suco de laranja cujo preço real é de R$ 3,70, segundo depoimento de Adriano Mauro, funcionário da empresa.

O esquema de rapinagem fez a Coaf pular de um faturamento de R$ 238 mil recebidos do governo estadual em 2014 para mais de R$ 11 milhões de reais em 2015. Um crescimento de mais de 4.500%. O ex-presidente da Coaf, Cassio Izique Chebabi, também fechou acordo de delação premiada.

Com seu nome trazido à baila, Fernando Capez reagiu com irritação. Desqualificou a prática dos caguetas, disse que aquilo era uma ‘irresponsabilidade’, fez tamanho alarido que até Alexandre de Moraes, Secretário de Segurança, deletou um post em seu facebook no qual enaltecia o trabalho da Polícia Civil na investigação do caso (Capez é nome potencial para o posto de Alckmin, Alexandre Moraes deve ter avaliado ser prudente não contrariar um possível futuro chefe).

O curioso é que Fernando Capez vinha defendendo as delações premiadas na Lava Jato há muito tempo. Em sua página na internet ao longo de todo 2015 publicou vários textos dando sustentação ao que chamava de “acordos de colaboração”.

Agora que foi delatado como um dos receptores de propina, colocou a boca no trombone. Pode ser que nada fique comprovado contra ele, mas sua reação já levanta suspeita e daí a indignação dos torcedores. É a velha história de ‘ter moral’. Quando se banca o paladino da justiça, fica feio ser pego em maracutaia.

Capez é desafeto das torcidas organizadas, sempre defendeu o fim delas. Entrou com ação pela extinção das torcidas Independente (São Paulo) e Mancha Verde (Palmeiras) depois de uma violenta briga na Supercopa de Juniores em 1995 que resultou em uma morte.

 

Alckmin e o promotor Capez
Alckmin e o promotor Capez

 

Seu empenho no combate à violência nos estádios pode até ser louvável porém suas iniciativas sempre tiveram quase nenhum efeito prático (bastou a Independente e a Mancha mudarem de nome para voltarem a frequentar as arquibancadas) e em boa medida despertam dúvidas ao penalizar apenas as torcidas e não os clubes. Para combater os bárbaros hooligans, por exemplo, as equipes britânicas foram banidas de competições européias por cinco anos.

Fernando Capez nunca enfrentou os times (significaria, entre outras coisas, entrar em atrito com a Rede Globo) preferindo sugerir que os estádios se transformassem em shoppings para atrair a frequência das famílias. Estão aí as novas ‘arenas’.

Há alguns dias, o governador Geraldo Alckmin afirmou que Lula é a cara do PT, corrupto etc e tal. Fernando Capez precisa olhar-se no espelho e conferir se não é a cara do PSDB. Com seus ternos alinhados, abotoaduras, cabelos bem penteados e caras de bons moços, os tucanos passam uma imagem respeitosa enquanto desviam verbas da merenda escolar. Mais do que revoltar-se com a menção a seu nome ele precisa, durante sua defesa, comprovar nada dever.

O saudoso Sócrates (o corintiano, não o grego), com sua inteligência ímpar, já alertava que todo político tremia de pavor só de imaginar uma torcida que fosse politizada. Se a campanha de Fernando Capez pela paz nos estádios ficar agora associada a uma postura hipócrita, a próxima musiquinha da Gaviões pode não ser mais tão educada.