“Governo FHC fez pressão para abafar caso Banestado”, diz procurador Carlos Lima, da Lava Jato. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 30 de março de 2016 às 19:22
Carlos Lima, da Lava Jato, palestra na AMCHAM
Carlos Lima, da Lava Jato, em palestra na AMCHAM

 

O procurador Carlos Fernandes dos Santos Lima, membro da força-tarefa da Operação Lava Jato, deu uma palestra na manhã desta quinta-feira (30) sobre as famosas 10 medidas para combater a corrupção.

Ele falou por mais de uma hora na AMCHAM Brasil, em São Paulo. “O nosso trabalho é criticado e eu estou aqui para ouvir todas as perguntas, de forma democrática”, afirmou.

Com 37 anos de experiência, Lima contou que a real inspiração da Lava Jato foi o caso Banestado, que ganhou fama em 2003 ao trazer a primeira delação premiada de Alberto Youssef antes de envolver a Petrobras. O caso envolvendo o Banco do Estado do Paraná teria gerado prejuízos de cerca de R$ 42 bilhões.

“O Banestado foi a operação que criou o modelo da Lava Jato. Nós nos inspiramos na Justiça norte-americana ao trazer o método de delações premiadas naquela ocasião. A ideia era justamente que o acusado fizesse uma confissão de crime que atinja corruptores maiores para atenuar sua punição”, falou.

É uma versão diferente da de Sergio Moro, segundo o qual a investigação foi inspirada na Operação Mãos Limpas da Itália.

Numa reportagem divulgada pela revista Istoé, ele é descrito como uma “raposa no galinheiro” pelo fato de sua esposa ter trabalhado naquele banco. Ele também teria engavetado a investigação para a CPI na época, que poderia incriminar o economista Gustavo Franco, o ex-prefeito falecido Celso Pitta, num total de 91 indiciados.

“A história da revista é uma mentira absoluta. Minha esposa era escriturária do Banestado, sem nenhum cargo de gestão, eu processei a Istoé e ganhei. No entanto, como eles estão em recuperação judicial, eu não vi a cor do dinheiro até hoje. Acredito eu que a matéria foi publicada por interesses dos próprios integrantes da CPI. Na época, o governo Fernando Henrique Cardoso estava com o dólar em alta, assim como hoje, e existia uma pressão para abafar as investigações”, disse ao DCM.

Ele afirma que a cultura europeia, raiz do Direito brasileiro, não costuma ver com bons olhos o uso de depoimentos de delatores para punição de crimes. No entanto, Carlos Lima acredita que esta é a única forma efetiva de punir adequadamente grandes esquemas de corrupção, e não vê problema num criminoso receber uma pena menor em nome de punições “mais justas” para os políticos beneficiados com propinas e caixas dois.

“O juiz [Sergio Moro] divulgou os grampos envolvendo o ex-presidente Lula e a presidente Dilma na Lava Jato por decisão dele, mas é importante salientar que essa publicidade aconteceu a pedido do próprio Ministério Público. Além disso, a Polícia Federal selecionou as gravações. A responsabilidade é de cada um de nós”, frisou.

O procurador afirma que tem formação de esquerda e que seu pai foi deputado no Paraná durante a década de 1970. “Ele chegou a hipotecar a própria casa e desistiu da política pelo custo. Por isso, eu te pergunto: se é tão cara a candidatura de governantes, não é melhor que tudo seja investigado e esclarecido?”.

Carlos Lima diz que mudou de mentalidade ao estudar crimes do colarinho branco na Cornell Law School, nos Estados Unidos.

Ele disse que votou em Brizola e Lula e fez um elogio aos governos petistas sobre a atuação da própria Justiça. Para o procurador, graças à autonomia concedida pelas gestões federais, seu trabalho foi executado com mais independência e teria retornado cerca de R$ 4 bilhões de corrupção da Petrobras aos cofres públicos na Lava Jato. Carlos Lima também não espera que um governo Michel Temer vá abafar as investigações, o que seria um retrocesso.

Questionado sobre o prêmio que Sergio Moro recebeu da Rede Globo e sobre as participações do juiz em eventos do LIDE, grupo de empresários do tucano João Doria, ele afirma que a atitude é normal e que não configura conflito de interesses. Lima também não acredita numa partidarização da Lava Jato e acha que essas insinuações são realizadas por “blogs políticos” que fazem “acusações irresponsáveis”.

“Eu acredito na independência do juiz Moro. Hoje em dia as pessoas vêm qualquer coisa publicada e tomam como verdade”, diz.

Para o procurador, a condução coercitiva com Lula foi uma atitude calculada com o objetivo de “proteger a população”: “Se soubesse do que ia acontecer, acredito que o ex-presidente estaria ‘regendo’ sua própria militância da sacada do seu apartamento, provocando o caos. A Lava Jato se destaca por uma atuação pública que não compromete suas investigações”.

Carlos Lima diz que a prática de vazar dados para veículos de imprensa é um método oficial da operação e que apenas é mantido em sigilo informações que podem comprometer familiares inocentes dos acusados. “Estamos vivendo tempos de ódio e é fundamental ter diálogo nestes momentos. O sigilo estabelecido na Lava Jato é apenas o necessário e a devida publicidade do processo é realizada”.

O procurador diz também que um pedido de prisão pode ser expedido para os acusados nos próximos dias. “Para o Lula?”, perguntaram os repórteres.

O procurador preferiu não confirmar, alegando que é necessário trabalhar de maneira justa e não fornecendo nenhum prazo para tal atitude. Para ele, Moro tem autonomia no processo.

“O que não podemos fazer é sempre jogar os crimes para o Supremo. Eles são um tribunal formado por constitucionalistas. Não tem experiência penal e esses casos de corrupção deveriam sim ter uma punição mais adequada em processos em primeira instância”.