“Lava Jato é do PSDB”, diz ex-embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

Atualizado em 23 de dezembro de 2016 às 7:32
Epa, epa, epa
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Publicado no Esquerda Diário.

 

O Esquerda Diário esteve em Brasília com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. O diplomata, com longa trajetória no Itamaraty, foi vice-chanceler no governo Lula e ministro da pasta de Assuntos Estratégicos durante o mesmo governo.

Leandro Lanfredi: Como você avalia o papel do Judiciário, da Lava Jato em particular, já que existem muitos analistas que apontam a semelhança com o golpe paraguaio, como justificativa do golpe, e os próprios procuradores, o Sérgio Moro, comparam mais com a “Mãos Limpas”, que seriam mudanças mais profundas que um “golpe paraguaio”.

Samuel Pinheiro: Bem, eu acho que desde que o presidente Lula tomou posse começou uma campanha de desestabilização, cuja primeira operação foi a chamada AP 470, o mensalão, onde tentaram ali criminalizar as pessoas, criminalizar o próprio presidente, e ele reagiu politicamente e sobreviveu, e atingiu “apenas” 87% de popularidade no último dia de mandato. Aparentemente [isso] refletiria satisfação do povo com o governo e sua gestão. Essa campanha prosseguiu de uma forma mais leve até que surgem os processos da Lava Jato. Eles têm um objetivo político.

O objetivo político não é a luta contra a corrupção, é a luta contra a esquerda. Tanto é que a maior parte dos envolvidos nesses processos eram de outros partidos que não o PT. Aí foi um conluio da imprensa com a Lava Jato, com a Lava Jato usando a imprensa e a imprensa usando a Lava Jato para sua campanha política tradicionalmente conservadora. Então, os vazamentos seletivos… e o Judiciário em geral foi conivente, porque a delação premiada é um criminoso confesso que se oferece para delatar outras pessoas, tanto menor será sua pena quanto mais revelações ele fizer e, inclusive, se ele percebe que há um viés político se ele acusar determinadas pessoas como houve.

Tanto é que o vazamento é seletivo e programado, cronometrado. No último dia da eleição municipal em São Paulo, prenderam Antonio Palocci. Isso é extremamente grave porque houve um conluio do udiciário.

O Judiciário a que me refiro é o Supremo [Tribunal Federal], porque qualquer ministro do Supremo poderia ter disciplinado e é o que deveria ter feito o juiz Sérgio Moro e os procuradores, para garantir o sigilo. Porque no final os processos serão anulados. Porque eles são tão irregulares, como disse o presidente Temer, os vazamentos permitem a anulação dos processos das delações. É uma operação política. Aliás, é preciso notar, outro dia vi um pôster da época do nazismo, uma mão de ferro com uma suástica esmurrando a corrupção, a campanha da direita é sempre essa. Olhar os mais corruptos, eles são os mais corruptos.

Tem uma coisa interessante, é minha opinião, posso estar enganado, [mas] ninguém vai abandonar seus funcionários. Ninguém vai abandonar esses que estão implementando esse programa, simplesmente abandoná-los, inclusive porque eles sabem muita coisa. Então, vão salvá-los. Eduardo Cunha está sendo salvo. Você pode observar que o nome dele não aparece mais na imprensa, esse é o primeiro passo.

O nome desaparece da imprensa, com o tempo a população vai esquecendo e ele eventualmente será libertado. Ele cumpriu uma função fundamental para as classes hegemônicas que era encaminhar e promover o impeachment da Dilma que era o primeiro passo, para ocupar o poder e implementar um programa que ela estava resistindo…um pouco, pouco né…mas estava resistindo e não era de confiança e já tinha cometido pecados, por exemplo reduzido os juros. Redução de juros não é permitido. É como o aluno que ofende o professor e estuda e no dia seguinte responde bem a arguição, mas ele ofendeu o professor, ele será colocado de castigo.

Leandro Lanfredi: Como você avalia o porquê agora a operação tem levantado mais suspeitas sobre membros do governo golpista?

Samuel Pinheiro: Porque a operação lá no fundo não é do Temer. O Temer assumiu, o PMDB assumiu porque ele era o vice-presidente. Isso é uma operação do PSDB.

Leandro Lanfredi: Mas também aparecem membros do PSDB ainda que a mídia mostre menos…

Samuel Pinheiro: Menos? Muito menos, não é “menos” não. Olha há um helicóptero com 400 kg de cocaína que foi apreendido pela Polícia Federal e nada ocorreu. É preciso lembrar o seguinte, a mídia não é um poder independente. Ela é um instrumento da classe hegemônica. Os donos da mídia fazem parte da classe hegemônica. Eles não são pessoas que estão ali e de vez em quando dizem algumas coisas e está tudo combinado. O editorial de hoje [15/12] do Estado de São Paulo ele diz que Temer demita Padilha e Moreira Franco. É o fim do governo. Não pedem ainda para Temer renunciar, mas pedem para demitir. Editorial do Estado de São Paulo, segue uma certa partitura, não é nada por acaso. Tem ali certos procuradores que são pessoas messiânicas, que estão convencidas que vão salvar a sociedade na luta contra a corrupção.

Leandro Lanfredi: muitos desses procuradores “messiânicos” têm ligações com o imperialismo, seja por vias de treinamentos seja por atacar interesses nacionais. Como você avalia isso relacionando com o papel do Judiciário em outros golpes. Seria uma reconfiguração do chamado soft power?

Samuel Pinheiro: É uma nova modalidade de golpe. Ela segue em curso. Há um livro, que sem ser muito interessante, da Ditadura à Democracia, de um professor Gene [Sharp] que é distribuído pela CIA pelo mundo. Então você chega e começa a organizar ONGs, começa a insuflar manifestações de rua. Há sempre alguma insatisfação. Levanta certas bandeiras, aparenta ser apolítico. É claro que não é apolítico, mas faz questão de aparentar que são apolíticos, uma luta contra a corrupção, pela saúde, pela educação. Isso é orquestrado, há ali uma certa estratégia. Uma estratégia que visa recuperar o poder. Do Brasil, de outros países da América do Sul, da América Latina você tem classes hegemônicas extremamente ricas, que controlam esses países, esses sistemas econômicos que são processos de extorsão de riqueza da maioria da população inclusive para mandar para fora.