Lula, Etiópia e a farsa que Augusto, Brickman e Nêumanne alimentaram. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de fevereiro de 2018 às 5:44
A foto da cúpula africana, no encerramento do evento que os veteranos jornalistas disseram que não houve

Desde a semana passada, circula na internet a imagem de uma página da FAO, órgão da ONU, com as conferências regionais de 2018. A da África está prevista para se realizar entre 19 e 23 de fevereiro em Cartum, no Sudão.

A imagem é usada para sustentar a farsa de que Lula inventou que haveria uma reunião sobre a fome na Etiópia, nos dias 28 e 29 de janeiro, com o objetivo de viajar para lá e escapar da prisão.

Nos posts, o autor (ou autores) lembra que a Etiópia não tem tratado de extradição com o Brasil. Para a malta anti-Lula, era a prova definitiva de que o ex-presidente, já antevendo a condenação pelo TRF-4, planejou a fuga.

O jornalista Carlos Brickmann embarcou na onda e assumiu como verdadeira a informação, numa nota publicada em seu blog. Hoje, Augusto Nunes repercutiu a notícia no site da revista Veja, com a elegância que lhe é peculiar:

“Entre outras demonstrações de que mente mais do que respira, o ex-presidente fantasiou-se de perseguido político e lamentou a perda da oportunidade de mostrar como fez para que acabasse no Brasil a fome que continua.”

Algumas horas mais tarde, o veterano José Nêumanne Pinto entrou na ciranda e deu a notícia na TV Estadão, chamando a atenção para a experiência de Augusto e Brickmann. Ele chamou o episódio de “ A farsa etíope”

“Os experientes jornalistas Carlinhos Brickmann, em seu site Chumbo Gordo, e Augusto Nunes, na Rádio Jovem Pan e no site da Veja, deram a espantosa notícia, revelada no site da FAO, de que não havia, não há nem haverá reunião em Adis Abeba para a qual Lula teria sido convidado para falar, viajando oportunamente um dia após sua condenação pela segunda instância, ou seja, fato consumado, para a Etiópia, país com o qual o Brasil não tem acordo de extradição. A oportunosa ensancha consagra a vocação de mentiroso de Lula.”

Augusto, Brickmann e Nêumanne chefiaram grandes redações no Brasil e sabem que deveriam ter tido mais cuidado antes de divulgar uma meia verdade – meia verdade é sempre mentira completa. O site Poder 360 já havia desmontado a farsa com uma nota na segunda-feira. “São eventos diferentes”, anotou. E são mesmo.

Para se constatar, basta pesquisar, coisa que o veterano trio não fez: a notícia está em outra página da FAO – ir até ela daria um pouco mais de trabalho do que reproduzir post do facebook.

O que aconteceu na Etiópia foi um evento até mais importante do que a conferência regional. Foi a Cúpula da União Africana, a 30ª, no qual a FAO participaria para debater um dos maiores problemas do continente: a fome e a desnutrição.

Outra forma de evitar a barriga (jargão jornalístico que significa notícia falsa) era ficar atento ao que publicam os jornais. O El País divulgou domingo, em sua edição em espanhol, artigo do diretor de comunicação da FAO, Enrique Yeves, em que ele lamentou a ausência de Lula da Cúpula da União Africana.

Augusto, Brickmann e Nêumanne deram curso a um fake news – e, a essa altura, seus leitores devem estar espumando e gritando coisas como Luladrão ia fugir –, mas a chance de que recebam alguma punição por parte das empresas em que trabalham é zero. Experientes, eles sabem que, em redação da velha imprensa, o erro é permitido, desde que se erre contra o lado certo.

E, para atacar Lula, a Geni do jornalismo de guerra, vale qualquer coisa. Mas, para quem ama a verdade, fica registro: a notícia que Augusto, Brickmann e Nêumanne deram não vale um pingo de tinta ou, na linguagem moderna, um dígito da internet.

E, para finalizar: Quem é mesmo o mentiroso?