Ney Matogrosso é o David Bowie brasileiro

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 14:29

Este texto foi escrito pelo leitor Tony Vic, originalmente como comentário na reportagem “A sabedoria de Ney Matogrosso e o talento de Dan Nakagawa”. 

Eu sempre achei que em certa medida o Ney Matogrosso encarnava para o Brasil o que o David Bowie encarnava fora dele. É um dos poucos artistas brasileiros que eu posso colocar com tranquilidade na coluna “cool” em minha planilha Excel fictícia em que catalogo tudo aquilo que ouço e vejo.

Ney e sua roupa faunal
Ney e sua roupa cigano-faunalnos anos 2000

Nos anos 70, ele começou misturando rock com pitadas progressivas, com uma estética revolucionária para a época. Saiu dos Secos e Molhados e partiu para a carreira solo, expandindo seus horizontes musicais sem perder seu “edge. Construiu sua carreira em torno de uma voz única mas. Tem muito bom gosto na construção de seu repertório.

A diferença, essencialmente, está em Bowie ser um compositor e Ney Matogrosso não. Mas há outras semelhanças.

Sempre achei que uma das maiores qualidades musicais de Bowie, era entender o showbizz como um pacote completo. E isso incluía, sem dúvidas, escolher a dedo seus músicos de estúdio e turnês, assim como os produtores, deixando que o talento destes fosse incorporado a seu legado musical.

Bowie tem a mesma qualidade interessante de Lennon, de ser capaz de impingir emoções distintas e antagônicas através de sutis mudanças de inflexão ou timbre de voz. No meio de uma canção deles, tudo pode acontecer. A primeira estrofe de “A Day In The Life” dos Beatles, ou o trecho no qual Bowie declama “I never thought I’d need so many people” em “Five Years” mostram isso.

Nesse ponto, Ney é mais plano, muito embora suas interpretações venham sempre carregadas de bom gosto, energia e afinação. Mas no essencial, Ney fez o mesmo em sua carreira, sabendo fazer parcerias que o tornaram diverso e sofisticado, flertando com a música brasileira, o rock, o jazz e os ritmos latinos.

Em sua última década, resolveu se divertir. Manteve com sabediroa seu espaço no panteão de artistas brasileiros, sem perder-se na necessidade patética de aparecer na mídia de maneira proporcional ao seu legado – pecado ao meu ver cometido com frequência por Gil e Caetano.

Bowie, nos anos 90, tentou relembrar o mundo de que os Pixies e o Sonic Youth haviam sido furacões que varreram a costa do. Mais recentemente, insistiu para que o mundo da música prestasse atenção nos canadenses do Arcade Fire.

Bowie e sua roupa espacial
Bowie e sua roupa futuro-espacial nos anos 70

Nessa etapa da carreira, músicos dessa grandeza deveriam realmente refletir se a maior contribuição que ainda lhes resta é gravar novos álbuns, ou auxiliar novos combatentes de talento a serem reconhecidos nessa selva que se tornou a indústria musical.

Ney faz o mesmo. Continua passeando por seu repertório em shows magníficos, sem nenhuma complacência com sua carreira, arriscando novos passos através de parcerias e lutando para que novos talentos tenham sua vez na cena musical. E como tem bom gosto, é natural que Dan Nakagawa seja uma de seus escolhas. É natural também que ele, Ney, estivesse talvez até mais aflito para o show do que Dan, segundo relatado na reportagem com link acima. Ney deve ter a dimensão da importância do que faz ao projetar seus parceiros para o mundo.