Neymar, o namorado da Jout Jout e os negros que não sabem que são negros. Por Sacramento

Atualizado em 6 de janeiro de 2016 às 7:22
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Neymar seria um nome importante na luta contra o racismo se tivesse se posicionado sobre as ofensas que sofreu em campo, mas não pode ser crucificado só pelo fato de ser famoso. Como ele, há milhões de negros que ignoram a própria condição e os abismos raciais existentes no país.

A tomada de consciência desse batalhão de anônimos seria mais efetiva contra a discriminação racial do que um depoimento qualquer de Neymar. Muitos que têm a pele mais clara, como a do jogador do Barcelona, sequer se reconhecem como negros. Um exemplo disso foi o depoimento do Caio, o namorado de 24 anos da youtuber Julia Tolezano, a Jout Jout.

No final do ano passado vazaram as fotos do rapaz, de quem os fã da Jout Jout só conheciam a voz. Caio é uma espécie de assistente de produção da moça e às vezes dá uns pitacos por trás das câmeras.

Comentários com teor racista seguiram após a descoberta:

“Caio na minha imaginação é loiro alto, de olhos azuis e musculoso”, disse um internauta.

Outro manifestou-se como se visse o Freddy Krueger: “Prefiro não acreditar nisso. Vou esquecer essas imagens e fingir nunca tê-las visto”.

O namorado da Jout Jout resolveu gravar um vídeo para discutir a polêmica e mostrou-se surpreso porque até então não se considerava negro. “Eu estava lá no meio, sem saber o que falar porque eu me considero pardo … considerava, não sei mais”, disse ele no início de vídeo.

“Para eu considerar negro no Brasil tenho que ter sofrido algum tipo de racismo (…)? Quem decide isso? É o americano que fala que sou parecido com o Barack Obama ou é o marido da minha mãe que é africano e disse que eu não sou negro? São meus dois avós negros que casaram com minhas duas avós brancas? São meus traços, meu cabelo?

Eu que decido? Como é isso? Se eu tive essas dúvidas, se eu não tive essas discussões mais cedo na minha vida, imagino que muita gente deve ter esse mesmo problema que eu. De não conversar, não discutir, e não saber se definir”, continua.

Caio não sabia que de acordo com o IBGE a definição de negros engloba pessoas “pardas” e “pretas”. Independente do que ele se autodeclara, seu fenótipo não levantaria dúvidas se ele fosse aprovado por cotas no Concurso do Itamaraty.

Da mesma forma, os traços do rapaz podem expô-lo a situações constrangedoras como ser confundido com empregados em alguma festa chique ou mesmo arriscadas, como em uma blitz policial durante a madrugada.

Provavelmente Caio cresceu sob a proteção de um ambiente classe média, onde negros podem passar a vida inteira sem receber uma abordagem violenta da polícia. Pode ter sofrido alguma discriminação sutil, ter sido alvo de olhares de seguranças em shoppings e não ter percebido. A pele não muito escura pode ter contribuído para que ele não se sentisse negro.

Como Caio, há vários negros que ignoram a própria condição. Muitos chegam a ser contra as cotas raciais, chamam manifestações racistas de simples mal entendidos e rejeitam a influência do passado escravista nos problemas sociais do país.

No vídeo, o namorado da Jout Jout disse está se descobrindo, questionando, pesquisando para conhecer a própria identidade. Se mais pessoas fizessem como ele, não haveria disparates como negros chamando os negros militantes de “vitimistas” nem a necessidade de meia dúzia de palavras do Neymar condenando o racismo.