Ninguém lê Shakespeare na terra de Shakespeare

Atualizado em 12 de junho de 2013 às 19:43
Em frente da igreja em que Shakespeare está enterrado

 

De Stratford-upon-Avon

 

“Qual sua peça favorita de Shakespeare?”, pergunto ao motorista de táxi. Estou na terra de Shakespeare, Stratford, uma cidadezinha de 26 000 habitantes a cerca de duas horas de trem de Londres. Estamos, aliás, Erika e eu. Parece uma cidade de bonecas: bonita, limpa, organizada. Para quem está passando algum tempo em Londres, é um excelente programa.

“Não li nenhuma”, responde ele. “Não consigo entender. Mas gosto de história e conheço a vida dele.” Fiz a mesma pergunta a várias pessoas em Stratford, e já ia concluindo que ninguém na cidade lê Shakespeare quando uma mulher, enfim, disse que O Mercador de Veneza era sua peça favorita. Mas não era exatamente uma nativa: era uma filha de indianos que, como tantos outros, se estabeleceram na Inglaterra para fugir da miséria que a própria Inglaterra legou à Índia depois de comandá-la e explorá-la por décadas.

Os habitantes de Stratford vivem do turismo gerado por Shakespeare, mas não o lêem.

Deveriam?

Tolstoi responderia, melhor, gritaria que não. Tolstoi achava que Shakespeare era o autor mais superestimado da história da literatura. Num célebre ensaio sobre Shakespeare, Tolstoi escreveu que tentou lê-lo de várias formas – nas melhores traduções, no original etc etc.

Chegou sempre à mesma conclusão: uma farsa.

Os enredos, segundo Tolstoi, eram pobres em imaginação. (Muitas das peças de Shakespeare foram baseadas em obras de autores anteriores, de fato. Shakespeare não era exatamente inventivo.) Os diálogos, ainda de acordo com Tolstoi, eram absurdamente irreais.

Fica claro, no ensaio, que Tolstoi destruiu Shakespeare com extremo conhecimento de causa. Cita passagens, personagens, frases que demonstram que ele leu toda a obra de Shakespeare várias vezes.

Com uma falsa estátua do bardo, num cumprimento amigável

Tolstoi tenta entender por que Shakespeare virou Shakespeare, e não consegue. Era um nome de alcance apenas local por muito sempo depois de morto. Fora da Inglaterra, Shakespeare passou a ser visto como um grande autor por força de Voltaire. Voltaire viveu um bom tempo na Inglaterra, por conta das perseguições sofridas na França. Conheceu a obra de Shakespeare no exílio londrino, e a mencionou com entusiasmo em suas Cartas da Inglaterra. Começaria aí o culto planetário a Shakespeare. A influência da França – e de Voltaire – sobre a humanidade culta era intensa.

Tolstoi tentou desfazer o que Voltaire tinha feito.

Não conseguiu – exceto, pelo que vi, em Stratsford-upon-Avon.