No “Robocop” humanista de José Padilha, o culpado é o sistema. De novo

Atualizado em 10 de novembro de 2014 às 15:35

 

O conceito central do “Robocop” de Paul Verhoeven, de 1987, era o prazer com que ele incitava o público a admirar sua ideologia neo-fascista. Criminosos impiedosos forçam a sociedade a suspender as liberdades civis em busca de justiça à moda antiga. O pistoleiro mecânico de Verhoeven, interpretado por Peter Weller, era uma espécie de Dirty Harry lobotomizado, um drone sobre duas pernas. A única coisa que faltava ao Homem de Lata era o sentido do espírito humano – Harry tinha pelo menos uma perspectiva irônica em sua missão de limpar a sociedade de seus demônios.

Verhoeven dominou, em seu auge, a arte cinematográfica da manipulação e “Robocop” era sua maneira de deleitar-se com a distopia de seu desalmado épico de ação. Durante a era Reagan, o filme foi um enorme sucesso de bilheteria e se tornou um clássico cult instantâneo.

O diretor brasileiro José Padillha, mais conhecido pelos dois Tropas de Elite, poderia muito bem ter se inspirado em Verhoeven para criar o Capitão Nascimento. Em “Tropa de Elite 2”, no entanto, Nascimento desenvolve um senso agudo de consciência social, conforme determinação aparente de Wagner Moura, e transformou um policial predatório em ativista político dedicado à guerra contra “o sistema”, seja lá o que isso quer dizer.

Não é de surpreender que Padilha tenha feito “Robocop” em seu début em Hollywood. É como se o Capitão Nascimento tivesse sido picado em pedaços, sobrando apenas os mais amáveis. Mas, nesse processo, Padilha conseguiu transformar a distopia de Verhoeven em uma parábola política mais esperançosa.

O novo “Robocop” é estrelado pelo ator sueco/americano Joel Kinnaman (mais conhecido por seu trabalho na série “The Killing”). Ele é Alex Murphy, um tira bom que trabalha em uma futurista Detroit, e cujo parceiro é quase morto em um tiroteio que Murphy acredita ter sido armado por policiais corruptos de sua própria delegacia (“Tropa de Elite 2”, alguém?).

No curso da investigação, o pobre Alex é explodido por um carro-bomba, enquanto sua esposa (Abbie Cornish) assiste com horror. (Na versão de Verhoeven, isso é obra de uma gangue que despedaça Murphy — a mão primeiro, depois o resto de seu corpo. Finalmente, dão-lhe um tiro na cabeça). Claramente, Padilha não está disposto a abraçar a sede de sangue de Verhoeven, embora o aspecto da crucificação / ressurreição do personagem central tenha dado ao filme original uma qualidade épica.

O que sobrou de Alex (um rosto, algum cérebro, pulmões e uma mão) é então remontado pelo brilhante cientista de robótica Dr. Dennett Norton (Gary Oldman) como um cyborg brilhante. Só faltava a trilha sonora para ele se tornar o robô “Gort” de “O Dia em que a Terra Parou”.

Alex/Gort/Robocop, assim, torna-se a face (parcialmente) humana de uma nova geração de policiais robôs destinada a limpar o mundo de cada bandido identificado pelo governo. O CEO da OmniCorp Raymond Sellars (Michael Keaton, ainda mais exagerado que Oldman ) acredita que esse novo “ser” lhe permitirá capturar o mercado dos EUA. É o casamento do mundo corporativo com o estado.

 

robocop

 

Padilha habilmente mina a narrativa fascista de Verhoeven, mostrando como, na sua visão, as pessoas são resistentes à idéia de uma força paramilitar de robôs no lugar de soldados reais lutando contra o mal. Apesar de um apresentador de TV de direita (Samuel L. Jackson) tentar convencer a população a abraçar este Admirável Mundo Novo, as rachaduras no sistema (olha ele aí) começam a crescer amplamente.

Padilha alcança uma pequena epifania quando seu Robocop começa a mostrar uma capacidade de alterar sua programação. Antes, ele era um mero passageiro em sua máquina de matar montada de fábrica, executando as ordens do Comando Central. Seu Criador fica feliz com a perspectiva de que o lado humano de Alex está se afirmando.

Apesar da fé de Padilha na humanidade e de sua admirável determinação em nos alertar para o cada vez mais paranóico esquema de vigilância global, “Robocop” tem um ponto fraco: o desempenho de Kinnaman. Seu trabalho mina muito da nossa simpatia por ele como um rebelde potencial.

Mas, em última análise, Padilha apresenta ao público uma fábula moral eficiente. Enquanto Verhoeven usava violência estilizada e sangue, Padilha nos mostra que temos que usar cada gota de nossa humanidade para combater a ameaça invasora do Big brother.

Os avisos implícitos sobre os perigos de uma força militar de robôs são uma extensão de seu comentário anterior sobre os males do sistema. A corrupção que permeia as esferas políticas e empresariais é meramente a mesma infecção de “Tropa de Elite 2”. Os mortos-vivos que dirigem as maiores corporações não são diferentes das organizações de mídia de direita e dos comentaristas políticos que se alimentam dos piores instintos.

Padilha ressalta que, assim como Alex usa o livre-arbítrio para salvar sua humanidade, o público deve valorizar a liberdade acima de tudo. No final, se não fizermos nada a respeito, os drones seremos nós.