Nosso amor de ontem. Por Fabio Hernandez

Atualizado em 15 de março de 2015 às 1:47

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E então alguém fala de você. Tantos anos se passaram, não é? Éramos adolescentes e estávamos descobrindo aquela coisa ao mesmo tempo gloriosa e miserável chamada paixão. Ao ouvir seu nome, que em outros tempos teve o poder de me tirar o fôlego e o equilíbrio, empreendi uma viagem no tempo. Vi você menina que se tornava mulher: olhos verdes que enfeitiçaram a mim e a quase todos os meus amigos, o sorriso confiante de quem não teme obstáculos, a alegria soberba de quem é jovem e imagina que jamais vai deixar de ser.

Vi você naquela festa de uma amiga sua para a qual você, para minha alegre surpresa, me convidou. Aquela festa é a melhor cena que guardo dos breves e intensos e coloridos momentos de nosso amor de ontem. O vestido azul sobre a camisa amarela. Parecia uma escoteira. Era uma festa chique para meus padrões de classe média. Eu me sentia intimidado por tudo. Por seus amigos ricos, pela elegância do salão, por você mesma. Sim, eu me sentia intimidado por você. Anos depois, entendi que o medo de perder você me fez perder você. Mas éramos adolescentes naquela festa, não éramos? Como entender sutis mecanismos psicológicos?

O que eu sei é que você estava maravilhosa. A menina mais linda da festa. Ainda que houvesse concorrência, eu não tinha olhos para mais ninguém. (Ao escrever isso, me vem à cabeça uma canção romântica americana: I Only Have Eyes for You. Eu queria que esta coluna tocasse essa música tão bela e tão melancólica.) Eu só tinha olhos para você. E então você me chamou para dançar. Se eu não fosse tão inseguro, se não me achasse tão menor e pior que você, acho que já teria percebido seu interesse por mim. O convite para a festa fora uma pista e tanto. Sábado à noite. Ninguém convida ninguém para uma festa sábado à noite sem um motivo claro. E então vejo a mim mesmo naqueles dias: um carro velho emprestado por meu pai. Roupas herdadas de meu irmão. E o andar ligeiramente trôpego de quem tem uma perna uns dois centímetros menor que a outra. Tudo isso e mais o sonho tornado vão de escrever livros como os de Graham Greene.

Só acreditei que você sentia alguma coisa por mim quando nos beijamos. Acho que partiu de você a iniciativa. Todas as iniciativas partiram de você. O começo e o fim. A retomada frustrada. A dedicatória de um livro na qual você dizia que era impossível me entender. Mas não quero lembrar momentos tristes. Meu desejo é recapitular aquela festa. O beijo. O primeiro de verdade. Não podia ser verdade. Tento encontrar palavras que descrevam a minha sensação de triunfo quando os nossos lábios se uniram, mas todas as que me ocorrem parecem diminutas diante da enormidade daquilo que me assaltou a alma. Rio agora diante do pensamento de que a reação mais lógica que eu poderia ter depois do beijo era, simplesmente, dizer obrigado.

Alguém diz seu nome, tanto tempo depois. E eu tolamente a reconstruo garota. Não, o tempo não desfez aquele frescor, aquela maciez, aquela beleza clássica. Não, a vida não frustrou seus sonhos ingênuos de menina. Não houve dor, não houve sofrimento, não houve separação, não houve perdas para você. Não houve doença. Fico pensando nessas coisas bobas e não alcançáveis. Por um instante acredito que o tempo parou, magicamente, quando você era a menina mais linda de todas. Talvez seja meu agradecimento desajeitado a tantos momentos sublimes que você me proporcionou. Talvez seja apenas mais uma tolice entre tantas que tenho feito e escrito.