O 7 a 1 de Anitta em Waack e nos fiscais do bom gosto na Rio 2016. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 9 de novembro de 2017 às 9:48
Anitta e um fiscal da Rio 2016
Anitta e um fiscal da Rio 2016

Este texto foi publicado originalmente em agosto de 2016.

Anitta, como você, Messi e Jesus Cristo, tem virtudes e defeitos. O maior de seus problemas, para os críticos burros, é ser ela mesma e não Elis Regina.

Ela deu uma boa entrevista a William Waack e uma moça que servia de escada ao apresentador depois da abertura da Olimpíada, quando interpretou “Isto aqui, o que é?” ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Waack, com aquela animação que lhe é peculiar, começou com uma pegadinha. A coreografia não tinha nada a ver com os clipes dela, lembrou ele. Era “a Anitta que estava lá?”

Ficamos sem saber se Waack sentiu falta de “Essa Mina é Louca” no repertório ou se ele realmente não entende como funciona um espetáculo daquelas dimensões com um diretor, um roteiro etc.

Mas aí veio a bobagem nostálgico-gordurosa de quem acha que determina o que é “bom gosto”.

— Caetano e Gil são da minha geração. Eu cresci ouvindo esses dois…

— Eu também, respondeu ela.

— Você acha que, para o exterior, é a nova voz da música brasileira? Pensando que isso foi transmitido para o mundo inteiro.

— O brasileiro tem que entender que, na música brasileira, as coisas se renovam. As pessoas nascem, podem vir a cantar, a se tornar um sucesso.

– Você está falando de você?

– Não, de várias pessoas… A gente tem que estar aberto para a novidade. Tem que dar oportunidade para os novos talentos na música ou no esporte.

Touché. Anitta foi indicada por Caetano, que não é bobo. Ela tem boa voz, é bonita, carismática — e, possivelmente, a artista mais bem sucedida comercialmente do Brasil hoje. Ou seja, todos os atributos necessários para estar numa celebração desse quilate.

É entretenimento. Na Olimpíada de Londres, o encerramento contou com os meninos esquisitos do One Direction, o DJ Fatboy Slim, a já desaparecida Jessie J, o rapper Tinie Tempah e as Spice Girls. Ninguém achou que eles são “a nova voz da música britânica” ou uma estupidez do gênero porque não é disso que se trata.

A outra face desse preconceito surgiu com os comentários batendo em Anitta por ela ser “mainstream demais”, “vendida”, “uma bunda com voz” ou algo que o valha.

Para esse pessoal, o correto seria chamar Elza Soares, Pretinho da Serrinha, Maria Gaduh (Gadú? Ghadu?), Ernestinho da Tijuca, Zizu da Sanfona, Dona Jurema da Portela — alguma figura cult, desconhecida, eventualmente com talento mediano, mas com legitimidade na brasilidade.

Por trás disso está a discriminação contra Anitta e o que ela representa. Tom Jobim dizia que, no Brasil, sucesso é ofensa pessoal.

Anitta nasceu num bairro pobre da Zona Norte do Rio, aprendeu a cantar na igreja, foi vendedora de roupa, postou os primeiros vídeos no YouTube, virou “revelação do funk”, engoliu sapo, estourou com “Show das Poderosas”, pagou mico com Roberto Carlos.

Ontem estava ao lado de dois medalhões da MPB, aparecendo para o mundo. Competente e profissional, abrilhantou a festa. Esses bocós precisam entender que ela é parte da cultura brasileira, tanto quanto Gil, Caetano, Bethânia, Minhoco da Mangueira e Tia Zita do Recife. Kudos.

Se havia alguém que não deveria estar no Maracanã era o sujeito que ocupava uma tribuna de honra e tomou uma vaia imortal na cara. Mas, para esse tipo de canalha, Waack é um docinho de coco.

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