A prisão absurda dos moradores de rua que pediam condições mínimas de dignidade num albergue

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:25

protesto moradores de rua

Alexandro, Hudson, Vantuir e Enmanuel são moradores de rua. No dia 30 de dezembro último, por protestarem contra as más condições do albergue Vivência (onde a comida é péssima, só há dois chuveiros – frios – e a total falta de higiene desencoraja narizes mais sensíveis de passar na porta), foram detidos e indiciados por dano qualificado, associação criminosa, resistência à prisão e todo o blablabla de praxe. No dia 1 de janeiro tiveram seus habeas corpus negados.

No mesmo período, a motorista de uma SUV branca invadiu uma calçada em Ferraz de Vasconcelos e prensou quatro crianças contra um portão. Felizmente o saldo não foi trágico, apenas fraturas. A mulher de 38 anos admitiu haver ingerido bebidas alcólicas, pagou $1 500 de fiança e saiu pela porta da frente da DP.

Há algo de muito errado aí.

A queixa dos usuários do albergue é legítima. É pedir demais que o albergue forneça refeições quentes (e dentro do prazo de validade), água aquecida nos chuveiros e lençóis limpos? Ou quem desembocou na rua não merece nenhuma consideração? A visão preconceituosa que rotula como “quem não quer trabalhar” é cega para as possibilidades de tragédias pessoais que podem levar alguém a perder tudo e se ver naquela condição.

Átila Robson Pinheiro tem 51 anos, era motoboy e sofreu um acidente que o incapacitou de continuar trabalhando. Não teve nenhum amparo nem indenização, locomove-se hoje apoiado em uma muleta e busca albergues para o pernoite. Conhece o Vivência há muito tempo. “A situação é precária não só nesse albergue, mas este é um dos piores. Lá é regime prisional, as pessoas não tem nenhum preparo parar lidar conosco de forma adequada. E se você abrir a boca será desligado, não poderá voltar por 6 meses. Eu fui expulso”, afirma.

“O pessoal da Secretaria de Assistência Social admite que há sete meses pede providências para o albergue Vivência. O problema já é muito antigo e nada foi feito. Quando as pessoas reagiram a tudo isso então houve uma repressão muito violenta desde a invasão do albergue, as prisões preventivas, à negação dos habeas corpus.

O que eles querem é que se viva com o problema e que ninguém se manifeste”, declarou ao DCM o padre Julio Lancellotti, que liderou um pequeno ato na Praça da Sé e que deve se repetir nos dia 3 de janeiro nas imediações do albergue com um provável número maior de manifestantes.

Hoje a Folha de S. Paulo publica reportagem segundo a qual moradores do centro estariam entrando na justiça exigindo a erradicação da cracolândia. Não é difícil compreender a postura dos moradores, mas eles poderiam estar presentes na manifestação desta tarde exigindo condições minimamente dignas para estas pessoas extremamente vulneráveis, pois não se pode esperar que os pobres simplesmente evaporem por ação divina.

Por que manter preso quem, indignado, reclamava por direitos básicos?

Padre Julio é quem responde: “Eu acredito que tudo isso faz parte de um plano de intimidação e criminalização dos movimentos sociais e este ano isso será sistemático, com muita força, no sentido de coibir qualquer manifestação. E este ano haverá muitas. Mas eles não vão conseguir calar toda a sociedade.”

Não há como discordar. Semanalmente as autoridades divulgam providências que estão sendo tomadas nesse sentido. Compra de caminhões que lançam jatos d’água, pelotões de lutadores marciais, e a mais recente, uma tropa de choque de 10 mil agentes da Força Nacional. Todas com claro propósito de inibir protestos durante a Copa. Podem dar resultado, tanto positivo como trágico.

A quem convém manter a miséria?