O aplicativo Lulu é o auge da covardia

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 15:58
Pessoas resumidas a hashtags
Pessoas resumidas a hashtags

 

Todo mundo sabe o quanto a vida é complexa. Somos formados por centenas, milhares, dezenas de milhares de coisas pelas quais passamos, que nos tornam o que somos. Quantos anos de análise precisamos fazer para que a gente se conheça direito? Ou melhor: é possível a gente se conhecer por completo?

Então no Lulu toda essa complexidade se torna um hashtag. Você não é tudo isso. Você, na verdade, não é nada disso. É um “#fast-foodlight”. Assim, simples, fácil e objetivo.

Entrei no Lulu porque tenho ouvido falar muito nos últimos dias. Ontem, depois de ver um artigo sobre o aplicativo publicado no Facebook, baixei e dei uma navegada. E minha sensação foi de pânico.

O que me impressionou não foi exatamente o que se fala sobre os homens. Nós, mulheres, falamos sobre nossos homens para algumas poucas confidentes. Sabemos o conteúdo dessas conversas. O impressionante é o que isso diz sobre as mulheres que lá opinam. Ou o que diria se elas fossem identificadas.

O aplicativo não identifica as opiniões das mulheres. Não é como se elas fossem mulheres o bastante para dar uma opinião e assumi-la. “Olha, querido, você é assim ou assado, lamento te contar”. E quando falo de opinião, incluo os elogios. Olhar nos olhos de alguém e expressar admiração é, muitas vezes, mais difícil do que apontar alguma falha ou reclamar de algo. Mas não no Lulu. Até mesmo o elogio é impessoal, raso e beira o ofensivo.

Esse é o tipo de aplicativo que me faz ter vontade de chorar pela humanidade. Traz à tona o que nós temos de pior, a covardia. Entenda que não faço nenhum juízo de valores em relação às mulheres que querem opinar publicamente em relação a homens que estão dispostos a ser alvo dessa opinião, e tampouco a homens que têm vontade de brincar com o Lulu. Só que o aplicativo não dá a opção ao homem de estar lá ou não. Ele apenas está, se estiver no Facebook. Se quiser sair, bem, primeiro de tudo tem que descobrir que o aplicativo existe; depois tem que se mexer (e eu recomendo que se mexam, mesmo os que têm boas notas – que é a única coisa que os homens têm acesso).

É bullying com quem sequer sabe que está sendo atacado.

O Lulu foi colocado por muita gente como uma resposta justa das mulheres contra o revenge porn, um dos maiores horrores que já apareceram na era da internet. Não é. Quantos homens tão covardes como essas mulheres já vazaram vídeos de suas namoradas no Brasil? Em casos célebres, 10? Digamos que, no total, 100. Aí então 100 homens cometeram esse absurdo e lá estão praticamente todos os internautas brasileiros, milhões, incluindo meu pai, meus tios, meu irmão, que sempre trataram mulheres como se fossem flores.

Essa guerra entre mulheres e homens não é apenas uma tolice. Ela não existe. A guerra de verdade (se é que é adequada essa palavra) é entre pessoas dignas e idiotas. Não há, entre meus amigos, quem tenha defendido o revenge porn. Todos os homens que conheço chamaram aqueles caras do que são: covardes. Mas as mulheres que estão no Lulu são iguais. Covardes. Falam qualquer coisa e não mostram a cara.

No caso do Lulu, a escala faz toda a diferença. Da mesma forma como nós podíamos gravar uma fita K7 de um CD e dar para um amigo sem que cometêssemos um crime (ou como hoje nós podemos copiar um MP3 aqui e ali mas não podemos sair vendendo CD em banquinhas sem assumir que estamos pirateando), dividir a experiência com confidentes é natural. Nós, mulheres, fazemos e não sou boba – sei que os homens também fazem. Mas é na escala humana. Você conta a uma ou duas pessoas de alta confiança, não em rede nacional para toda e qualquer pessoa disposta a ouvir. Mas no Lulu lá estão os hashtags e as avaliações para toda e qualquer mulher disposta em ler.

E aí acaba a beleza da movimentação humana. Não existe conhecer alguém, porque as pessoas já tem uma avaliação feita, já estão determinadas, julgadas, rotuladas, hashtagueadas. É como se sentar ao lado de um cara interessante num bar com uma hashtag em sua testa. “#lerdo”. Que chance esse cara tem de continuar a conversa? Que chance esse cara tem de tentar ser melhor? De ter outra chance? E que chance a mulher que vê essa hashtag tem de se divertir com ele, descobrí-lo, ver nele algo melhor do que aquela frase – ou não.

O Lulu é uma prova de o quanto as pessoas podem ser sádicas. É o auge da covardia.

Pobres mulheres que queimaram os sutiãs na luta pela igualdade. Fizeram tudo aquilo e, no fim deu… nisso.