O apoio aos torturadores que tatuaram um jovem é nova evidência de que viramos um país de justiceiros. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 12 de junho de 2017 às 18:47

 

 

Foi-se o tempo em que você poderia se surpreender com o apoio a torturadores no Brasil e com o fascismo nosso de cada dia.

O caso do adolescente de 17 anos que foi seviciado com uma tatuagem na testa com a inscrição “eu sou ladrão e vacilão”, em São Bernardo do Campo, ganhou repercussão internacional.

Num vídeo que viralizou, o jovem é marcado como gado por Ronildo Moreira de Araujo, de 29 anos, e Maycon Wesley Carvalho dos Reis, de 27, que riem enquanto o humilham.

Entre em qualquer portal de notícias e você verá milhares de cidadãos de bem apoiando a dupla de canalhas.

O comentário mais votado no G1, a respeito da vaquinha em prol da vítima, é este: “Queria ver esse menino daqui a um tempo roubando algum familiar dos doadores de dinheiro para a cirurgia. Não esqueçam de fazer a matéria!”

O processo do golpe tirou da gaiola o nosso déficit civilizatório. Nossa alma de justiceiros voa livre como um pássaro.

Em 2015, para combater os arrastões nas praias da Zona Sul carioca, moradores resolveram arregaçar as mangas e fazer o que Rachel Sheherazade chamou de “compreensível”: estão caçando “marginais”.

Marginais é uma forma carinhosa de definir todo os que vêm dos ônibus do subúrbio em direção a Copacabana, Ipanema, Leme ou Leblon. Um coletivo foi parado por um grupo de jovens que tentou partir para o linchamento. “Meliantes” fugiram pela janela.

Tudo foi combinado numa comunidade do Facebook, “Copacabana Alerta”. Após a pancadaria, os elogios pipocavam: “Só assim temos alguma chance de mudar a situação”, dizia um sujeito.

Um pessoal no WhatsApp prometia o seguinte: “Próximo fim de semana, já sabem. Porrada vai comer e a chinela vai cantar. Esses pivetes vão ver que aqui se faz, aqui se paga”.

Um policial civil sugeriu algumas medidas: “Em caso de violência contra esses marginais, se alguém atirar e matar um merda desses, não forneçam imagens à polícia! Apaguem imediatamente! Digam que o sistema está com defeito!”

O sistema que está com defeito é outro.

Na Alemanha, o discurso do ódio contra refugiados chegou ao limite. Há dois anos, o Facebook anunciou que vai trabalhar em conjunto com as autoridades para coibir manifestações de racismo e xenofobia.

O ministro da Justiça Heiko Maas acusou a rede de agir com rapidez apenas para remover posts com seios nus. Foi montada uma força tarefa.

A argumentação é cristalina: segundo a lei alemã, comentários públicos incitando a violência baseados em preconceito religioso e étnico dão até três anos de cadeia. O Facebook não pode ficar acima da lei.

Por aqui, a página Morte ao Lula, por exemplo, criada por um advogado, segue firme e forte. Você conhece milhares de outros casos. Houve um bando também que resolveu fazer uma versão brasileira da Ku Klux Klan.

Em Niteroi, uma praça amanheceu com cartazes de um tal “Imperial Klans of America Brasil” nos postes.

“Comunista, gay, judeu, muçulmano, negro, antifa, traficante, pedófilo, anarquista. Estamos de olho em você”, lê-se num deles. “Antifa”, caso você esteja curioso, é uma abreviação de antifascista.

Nos protestos coxas, tias andavam com cartazes perguntando “por que não mataram todos em 1964?” e os passantes ofereciam um copo d’água. Tudo liberado, tudo banalizado.

Mais uma vez, ouça o bom conselho da jornalista alemã Anja Reschke, que denunciou a resposta tímida da sociedade diante dessa loucura crescente: “Você deve se fazer ouvir, se opor, tomar uma atitude, abrir a boca”.

Deve. Ainda que não dê em nada.