O Brasil é o país onde um sambista sustentado por um bicheiro faz uma “música de protesto”. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 27 de março de 2016 às 22:13
Neguinho da Beija Flor
Neguinho da Beija Flor

 

Neste período de crise política brotam sujeitos com telhado de vidro a jogar pedras em vidraças alheias, leia-se Dilma, Lula e o PT.

O mais recente membro do time é o Neguinho da Beija-Flor, que apareceu em um vídeo amador cantando o samba “Não é nada meu”, composto pelo sambista Boca Nervosa em “homenagem” ao Lula.

O nome do ex-presidente não é citado na letra, mas nem precisaria. Ela cita o “tríplex da praia”, o “sítio de Atibaia”, “aquela fundação”, “o rombo na Petrobrás”, enfim, a mesma verborreia usada pelos revoltados online e colunistas de aluguel para pedir a prisão de Lula e por tabela o impeachment da presidente Dilma.

Neguinho teria todo o direito de expressar seu analfabetismo político caso não fosse parte de um negócio íntimo com o crime organizado. Há décadas o Carnaval carioca, do qual o intérprete é um dos ícones, é bancado com dinheiro do jogo do bicho.

“Eu sou do tempo que desfile de escola de samba era uma bagunça. Chegou a contravenção e organizou. Hoje eles batem no peito e dizem com o maior orgulho: ‘o maior espetáculo audiovisual do planeta’! Agradeçam à contravenção”, disse o sambista à Rádio Gaúcha, na ocasião da conquista do título da Beija-Flor de Nilópolis em 2015.

Uma das fontes de dinheiro desta conquista veio de “contravenções” ultramarinas: o enredo homenageou a Guiné Equatorial, país africano minúsculo, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) rasteiro mas lotado de petróleo, cuja renda alimenta as vaidades do ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.

O mecenas do último título da escola de Nilópolis é um dos oito governantes mais ricos do mundo e está agarrado ao poder há mais de três décadas.

Ele teria doado 10 milhões de reais à escola, quantia imoral quando vinda de um país onde 75% da população vive na miséria.

Mas isso não parece incomodar a voz símbolo de uma escola comandada pelo bicheiro Anísio Abrahão David, preso cinco vezes em operações contra a máfia dos caça-níqueis.

A última delas, em 2012, foi na operação Dedo de Deus. A ação teve ares apoteóticos, com direito a agentes descendo de rapel para entrar no tríplex de Abrahão.

Sim, isso mesmo, um tríplex, localizado em um dos pontos mais caros do Rio de Janeiro, foi comprado em 2004 e pertenceu a Roberto Marinho.

O reinado de Abrahão, com seus parentes e aliados encrustados na política e suas ligações com torturadores da ditadura renderiam histórias para preencher sambas enredos por muitos Carnavais.

Mas a indignação de Neguinho da Beija-Flor é seletiva e o único tríplex que o interessa é o do Guarujá, nada mais.