O Carandiru já virou livro, filme e agora vira uma vergonha mundial. Por Mauro Donato

Atualizado em 29 de setembro de 2016 às 15:10

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Por que o tal Major Olímpio, que tanto se esforça para que seu grito “vergonha” se torne um bordão, não o faz agora perante a anulação dos julgamentos que condenaram os policiais pelo massacre ocorrido no Carandiru em 1992?

Grita agora, Major, porque o que o Tribunal de Justiça cometeu foi vergonhoso. Uma pá de cal na democracia que se pretende igual para todos.

Rememorando rapidamente: em 2 de outubro de 1992, para debelar uma rebelião de detentos, a polícia comandada pelo governador Fleury invadiu o Carandiru e realizou uma chacina. Em meia hora executou 111 presos.

Virou música, virou livro, virou filme e passados 24 anos, os 74 policiais que haviam sido julgados e condenados (todos ainda em liberdade) assistem, escutam e leem com alegria que o TJ decide cancelar tudo. Não só anula, mas pisa na cara da sociedade ao afirmar que ‘não houve massacre nenhum’.

“Foi legítima defesa”, afirmou o relator do recurso, desembargador Ivan Sartori. Legítima defesa? Os corpos receberam uma média de cinco tiros cada. A maioria nas costas e na cabeça. As imagens que se têm do massacre são de pilhas de cadáveres nus. Quando a polícia chegou estavam todos pelados e atirando contra o visitante indesejado, foi isso?

O caso deixa claro, claríssimo, que o desembargador atende aos anseios da parcela da população que acredita que bandido bom e bandido morto. E que depois de morto seja jogado na vala comum e desmemoriada, e que suas famílias sejam penalizadas conjuntamente, pois não só uma justiça que tarda já é falha (os policiais estão em liberdade até hoje sendo que muitos em atividade em cargos públicos), como sofrem a humilhação de ver todo o processo ser jogado na lata do lixo. Os filhos pequenos de algumas das vítimas são hoje pessoas na faixa dos 25 a 30 anos que nunca viram justiça ser feita. Darão alguma credibilidade ao poder judiciário após esse episódio?

O coronel à frente da operação, Ubiratan – já falecido – chegou a ser condenado a 632 anos. Na prática, elegeu-se deputado depois do massacre. Nunca passou 15 segundos atrás das grades. “Não houve massacre. Houve obediência hierárquica”, repetia o desembargador Ivan Sartori. Ok, então quem ordenou? Luiz Antonio Fleury vai ser responsabilizado?

Outro desembargador que votou pela anulação dos julgamentos, Camilo Léllis, dá seu verniz de justiça: “O juíz é a última esperança de um acusado, não se pode condenar por baciada. Houve um confronto mas é preciso verificar quem se excedeu, quem atirou em quem.” Oi?

Aqueles homens já estavam presos e sob a custódia do Estado. Como assim ‘quem atirou em quem’, como ‘legítima defesa’ se todos os policiais saíram vivos e nenhum foi sequer baleado? “Aquilo foi um extermínio. Todos foram executados, não tinha ninguém armado. Acabaram condenados novamente porque já estavam cumprindo suas penas”, declarou Sidney Sales, um dos sobreviventes.

Aos questionamentos, o desembargador Sartori mescla empáfia com autoritarismo: “Eu sou o juíz. Serei criticado pela imprensa, mas não quero saber da imprensa.” Não resolve não querer saber, senhor desembargador. Se a justiça se faz de cega, a imprensa não se faz de muda. E o que ocorreu foi uma barbárie dupla. Em 1992 e em 2016.

O complexo de edifícios que abrigava a penitenciária foi demolido e se tornou um parque com uma das melhores bibliotecas da cidade. Tentaram sumir com o Carandiru, mas seu fantasma insiste em nos assombrar. E o que resultou depois daquela operação de extermínio e da implosão dos pavilhões, foi que nasceu o PCC. Bom não?