O caso do jovem negro morto em Ferguson reflete o drama da desigualdade racial nos EUA

Atualizado em 21 de agosto de 2014 às 10:07
Protesto em Ferguson, no Missouri
Protesto em Ferguson, no Missouri

Publicado na DW.

 

A morte de um jovem negro e desarmado, baleado por um policial branco, e a onda de protestos na cidade de Ferguson, no Missouri, chamaram a atenção para um problema que, segundo observadores, é de dimensões nacionais.

Apesar de cerca de dois terços dos 21 mil moradores de Ferguson serem negros, o prefeito e cinco dos seis integrantes da Câmara Municipal são brancos. Assim como 50 dos 53 agentes do Departamento de Polícia.

E para analistas, os confrontos que seguiram à morte de Michael Brown, de 18 anos, refletem essa situação de desequilíbrio.

“A participação dos afro-americanos nas decisões da cidade sempre foi baixa, em todos os níveis”, afirma o sociólogo Darnell Hunt, diretor do Centro de Estudos Afro-Americanos da Universidade da Califórnia. “Parece algo da década de 1940, período anterior ao movimento dos direitos civis”, ressalta.

Ferguson não um é um caso especial. Segundo uma pequisa recente, 80% dos afro-americanos acreditam que o caso Michael Brown levanta importantes questões com relação ao tema racismo em todos os Estados Unidos. Entre os brancos ouvidos, o índice é de 37%.

Problema nacional

“Ferguson é apenas uma mostra do que temos visto nos últimos anos, nas últimas décadas neste país”, afirma Lexer Quamie, porta-voz da Conferência de Lideranças em Direitos Humanos e Civis, uma associação que reúne uma série de organizações.

Em fevereiro de 2012, a morte do jovem Trayvon Martin, 17, baleado por um vigilante comunitário na Flórida, gerou comoção internacional. “Eu poderia ter sido Trayvon Martin”, afirmou o presidente Barack Obama na época.

Não há estatísticas confiáveis que revelam a frequência com que policiais usam suas armas precipitadamente em suas abordagens. O número de casos, entretanto, tem crescido nos últimos anos. Segundo a revista liberal de esquerda Mother Jones, da metade de julho para cá pelo menos quatro negros desarmados foram mortos por policiais.

“Não se ouve falar de casos em que a vítima era um jovem branco desarmado”, ressalta Daniel Hunt. “Existe uma visão de que homens negros representam uma ameaça que precisa ser contida.”

Brancos e negros americanos têm experiências bem distintas com a polícia. Em Ferguson, por exemplo, 92% dos casos de revista pessoal e 93% das prisões de motoristas no ano passado envolveram pessoas de pele escura – embora policiais tenham registrado mais ilegalidades entre brancos (34%) do que entre negros (22%).

E essa discrepância não acontece apenas em Ferguson: em Nova York, pessoas de origem latina e afro-descendentes são os maiores alvos de revista nas ruas. No ano passado, apenas 11% dos 200 mil registros do chamado stop and frisk – quando policiais param e revistam pedestres aleatoriamente – corresponderam a buscas feitas em pessoas brancas.

Mito da igualdade

“Mães e pais de negros nunca poderão estar seguros de que seus filhos não serão assediados, presos ou mal tratados pela polícia”, afirma Lexer Quamie. “Em muitas comunidades negras, os pais precisam assegurar que os filhos conheçam os próprios direitos e saibam como devem proceder para sobreviver a uma abordagem policial.”

A associação para a qual Quamie trabalha apoia mudanças nesta área. Entre as propostas estão a proibição do controle policial orientada pela cor da pele, uma maior fiscalização das autoridades locais pelo Ministério da Justiça, e o aumento dos esforços para reproduzir na estrutura da polícia a composição das respectivas comunidades.

Para Hunt, os casos famosos de violência policial são, sobretudo, sintoma de um problema enraizado. “Temos um presidente negro, mas a maioria dos afro-americanos encontra-se em uma situação economicamente pior do que há 20 anos”, afirma o sociólogo.

Ele destaca que os negros estão em desvantagem em praticamente todos os segmentos da sociedade. Há décadas o índice de desemprego entre negros é praticamente o dobro do índice entre os brancos. A média da renda familiar dos afro-americanos é um terço menor do que a média dos EUA. E há três vezes mais negros vivendo na pobreza do que brancos, e eles são levados à prisão com uma frequência quatro vezes maior.

Para Hunt, a ideia frequentemente alimentada pela mídia de que os Estados Unidos superaram a desigualdade racial há tempos não passa de um mito. “Frequementemente ocorrem fatos que nos fazem pensar: ainda tem algo errado acontecendo por aqui.”