O clipe não-erótico de Clarice Falcão: é arte, é lindo e diz muito a quem está disposto a ouvir. Por Nathali Macedo

Atualizado em 21 de dezembro de 2016 às 12:13
Clarice Falcão
Clarice Falcão

Quero licença para falar como artista, e não como militante, embora as duas coisas quase se confundam, sobre o novo clipe de Clarice Falcão.

Quem viu erotismo em genitálias com borboletinhas e pompons no clipe de Eu escolhi você tem uma inclinação seríssima para o erotismo – talvez digna de divã – ou eu é que sou frígida, porque aquilo, para mim, não é um clipe erótico.

Arrisco até que a classificação indicativa +18 não tem a ver com o conteúdo do clipe. Está na conta do conservadorismo dos termos de uso do YouTube e da moral que associa genitálias a erotismo, sempre.

Não falo da “intenção do clipe” porque mencionar obras artísticas em tom profético é estranho, no mínimo, mas o que há ali é muito mais bonito que erotismo. É, aliás, justamente o contrário do erotismo.

Genitálias nem sempre têm a ver com sexo. Genitálias nem sempre devem estar depiladas e adequadas a um padrão. Às vezes, genitálias são só genitálias, não precisa espanto.

Nessa ditadura da paudurência e das bocetas depiladas e com grandes lábios discretos (rosados, de preferência), é bonito ver um produto artístico que negue a conversão do erotismo num ditador de padrões de beleza e norteador de diversas relações de poder. Um clipe que diga: “Nós podemos brincar com nessas genitálias em um clipe, porque elas são nossas e nós podemos fazer delas o que quisermos.”

Todas essas constatações são fruto de um olhar carinhoso sobre o produto artístico, porque qualquer produto artístico merece algum carinho, de início.

Não dá pra esquecer que Clarice é branca, de classe média e filha de artistas influentes, não dá pra não dizer que faltam mais mulheres gordas e pretas no clipe – mas não dá, também, pra ignorar, em nome disso, o mérito artístico de mostrar genitálias com pompons com um propósito tão urgente.

Para a Nathalí artista, desculpem, ignorar “o que” é dito em detrimento de “quem” diz” é quase pecado.

O que precisa ser dito é que a figura de Clarice no feminismo interseccional é discutível, as questões de representatividade precisam ser lidas com o cuidado do recorte de raça, mas isso não precisa anular todos os sentimentos e ponderações que o clipe propõe: é arte, é lindo e diz muito a quem está disposto a ouvir.