O escândalo Feliciano. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 3 de agosto de 2016 às 17:46
Suspeito
Suspeito

Depois de declarar em uma sessão da Câmara dos Deputados que “não existe cultura do estupro, existem estupradores”, Marco Feliciano acaba de ser acusado de assédio sexual e tentativa de estupro por uma jovem militante do PSC.

Ela trouxe a público prints de conversas via WhatsApp em que o pastor a ameaçava e tentava justificar o abuso: “Jovem, a carne é fraca. Você é uma moça linda, atraente.” “Sabe do que mais tenho saudade? De te agarrar e olhar sua carinha linda de choro dizendo ‘não’.”

Os prints não demonstram apenas a naturalização do estupro – como se fosse aceitável morder uma mulher e tentar arrastá-la para a sua cama apenas porque ela é “atraente” – demonstram, antes disto, algo ainda pior: homens que se valem do prestígio que a religião cristã ainda desfruta em algumas camadas da sociedade para justificarem comportamentos abusivos e violentos.

Esse respeito é tão efetivo que, em um dos prints, a vítima chega a se desculpar: “Pastor, me perdoe como vou falar agora… mas o senhor me assustou.”

Nas igrejas neopentecostais brasileiras, pastores são tratados como divindades. Homens enviados por Deus, homens de quem não se pode discordar, homens a quem não se pode negar coisa nenhuma – nem mesmo sexo. Desfrutam de um temor quase tão grande quanto o temor dos evangélicos ao próprio Deus.

Segundo colunista da Uol, após a denúncia, a jovem, acuada, procurou ajuda de grandes nomes do PSC, que mandaram que ela “sumisse.” Ela obedeceu ao Pastor abusador e aos demais poderosos do partido – não se sabe a que custo, mas nós podemos imaginar – e saiu de Brasília durante cinco dias, não denunciou o caso à polícia, e, pasmem: publicou um vídeo em que defendia Marco Feliciano e desmentia a denúncia. O vídeo foi retirado do ar poucas horas depois de publicado, assim como a página da jovem no facebook, que foi misteriosamente excluída.

A asessoria de Feliciano manifestou-se, após muitas investidas do repórter em questão:

“Tenho uma honra ilibada e tais acusações são descabidas. Respeito minha família, o povo brasileiro e principalmente minha fé! E peço que assim o façam! Assim eu encerro tal assunto, deixando nas mãos das autoridades”.

Nós provavelmente estamos diante de um caso grave de coação. Uma jovem militante não pode muito contra um partido inteiro. O recuo de uma mulher fragilizada pela violência e por ameaças do próprio Feliciano – e provavelmente de outros homens poderosos, a julgar por suas atitudes típicas de uma mulher amedrontada – não pode ser preponderante para que esse caso deixe de ser investigado.

O crime de estupro (inclusive na modalidade tentativa), ressalte-se, é de Ação Pública condicionada à representação, ou seja, depende da denúncia da vítima. Isso significa que se essa mulher – amedrontada e coagida – não se convencer a denunciar seu agressor, o caso cairá sim no esquecimento.

Atribuir ao crime de estupro a natureza de Ação Pública Condicionada é um erro rude de nossos legisladores em um país em que as mulheres ainda não atingiram um nível de empoderamento que garanta que elas denunciem seus algozes. Nada surpreendente, se considerarmos que entre esses legisladores está o próprio Marco Feliciano e uma bancada evangélica assustadoramente conservadora, fundamentalista e fascista.

Para além disso, essa vítima – que ainda não foi identificada para o grande público – corre sério risco. Se ela foi fisicamente agredida pelo Deputado Pastor Canalha por negar-lhe sexo, o que seria ele capaz de fazer agora que ela arrancou a sua máscara de defensor da moral e dos bons costumes?

A denúncia pública está feita, ainda que não formalizada, a máscara de Feliciano caiu, como era de se esperar, e não há nada que se possa fazer para livrar a cara do Deputado Pastor estuprador. O melhor, suponho, é que essa moça apareça e enfrente isso até o fim.

Há Ong’s e grupos feministas que provavelmente se disporão a ajudá-la e protegê-la. Esse caso, embora privado, é de interesse de todos os brasileiros, dada a posição política deste homem, que provavelmente fará qualquer coisa para impedir a própria desmoralização – e prisão, pois é isto que esperamos.

Afora a aflição que um caso tão assustador é capaz de nos causar, consideremos o que há por traz do sadismo de homens como Feliciano:

Duvivier disse numa entrevista que “no fundo, evangélicos são fanáticos sexuais; represam o sexo para depois explodir.” A sacralização do sexo – em detrimento de sua banalização, como fazem os pagãos – seria a propulsora de uma visão muito mais intensa sobre ele.
Em outras palavras e para ser clara: o sexo proibido mostra-se muito mais espetacular, e esse tabu não passa, portanto, de uma máquina geradora de fanáticos sexuais.

Acontece que estupro não é sobre sexo, é sobre violência. É sobre o prazer mórbido de exercer poder físico sobre outra pessoa, de provocar-lhe sofrimento:

Homens como Feliciano – que, não nos enganemos, estão por aí aos montes – não sabem fazer sexo, nunca souberam. Para eles, o sexo – que é uma relação saudável e natural de troca de prazer – não existe: existem relações de poder, e são essas relações, e apenas elas, que lhes parecem prazerosas.

E para continuarem exercitando seu sadismo doentio e nojento, religiosos lançam mão de todos os artefatos possíveis: a bíblia, a moralidade, a respeitabilidade religiosa, e, pasmem, a política.

Pastores abusadores estão no Congresso Nacional negando a Cultura do Estupro e pregando a Cura Gay. Quanta podridão existe, longe de nossos olhos, nos homens de Deus na bancada evangélica? De quantos sádicos maníacos sexuais as mulheres brasileiras estão a mercê?

Feliciano não é acusado apenas de assediar e tentar estuprar uma jovem de 22 anos militante de seu partido. Ele tem violado milhões de mulheres brasileiras, não com o falo – apenas porque não lhe é possível – mas com o poder que inacreditavelmente ainda existe nas mãos da igreja neste país.