O estranho caso das promoções e demissões do coronel que fazia propaganda nazista

Atualizado em 5 de janeiro de 2015 às 18:23
O coronel Fábio dá entrevista a Luciano Huck
O coronel Fábio dá entrevista a Luciano Huck

 

Após o descalabro, vem a bonanza. Ou o cinismo. Com a enorme (e péssima) repercussão da volta do tenente-coronel Fabio de Souza ao comando do BOPE e agora no status de coronel, o secretário de Segurança do Rio José Mariano Beltrame afastou-o novamente na manhã de segunda (5).

Beltrame alega ter tomado conhecimento das denúncias contidas em um Inquérito Policial Militar contra o tenente-coronel Fabio através da imprensa. Contradiz assim o comandante-geral, coronel José Luís Castro, que afirmou ter relatado à época o caso ao secretário.

Quem está dizendo a verdade?

O ano de 2013 já ia ao seu final quando tenente-coronel Fabio de Souza do BOPE foi exonerado por postar mensagens em um grupo de Whatsapp que incitavam a violência e que tinham teor nazista. Segundo José Luís Castro, o secretário José Mariano Beltrame reagiu com um “ok, mande-o para cá” quando soube da exoneração de Fabio de Souza. Sim, isso mesmo. Como consequência de seu viés truculento, Fabio assumiu a chefia da escolta pessoal de Beltrame. Estranho?

Todo o enredo é mais intrigante, acredite se quiser. Ainda em janeiro de 2014, o tenente-coronel Fabio de Souza já havia relatado a colegas que retornaria por cima, bem por cima, dali um ano. Dito e feito.

A volta não era simples e toda uma reformulação foi feita para tal intento. Após esse período chefiando a escolta de Beltrame, deu-se a transação. O então comandante da PM, José Luís Castro, foi retirado, em seu lugar assumiu Alberto Pinheiro Neto (coronel que já estava na reserva e que nos últimos tempos trabalhava como chefe de segurança na Rede Globo). Fabio de Souza é homem de confiança do novo comandante e assim foi reconduzido ao comando do Batalhão de Choque, desta vez promovido a coronel, patente mais alta da carreira.

“Em 2015 assumirei o controle da PMERJ. Está nas escrituras. Serão quatro anos de inverno nuclear para os peitos de ladrilho. Só cursado terá vez. Choque, Caveira, Cachorreiro ou piloto. O resto será escorraçado”, escreveu ele pouco depois de seu afastamento. Como sabia? A quem se referia como ‘o resto’ em tom de ameaça?

Ao ser exonerado, Fabio foi substituído pelo tenente-coronel Márcio Rocha que passou a ser boicotado pelos oficiais ligados a Fabio e que integram o grupo de whatsapp cujas mensagens hoje fazem parte de um Inquérito Policial Militar. Na porta do gabinete do sucessor (e obviamente desafeto de Fabio) foi deixado um despacho de macumba e duas semanas depois ocorreu uma saraivada de tiros de fuzil contra o prédio em que mora Márcio Rocha. Ainda que não haja provas de que seja autor ou mesmo mentor do atentado, Fábio de Souza fez gracinhas com o episódio: “Faltou a galinha preta, as guias, as velas do flamengo, a pipoca e aquela batata cheia de espeto. Viva a macumba.”

Fabio e seu grupo usavam e abusavam de uma linguagem que dá arrepios. “Viva a raça sem defeitos. Depuração total.”; “Padrão Alemanha de 1930”; “Coronel Fábio pela instauração do Reich!”; “Não é a vontade da maioria. É o certo. É a vontade do Fuhrer!”

Nas manifestações é constante o grito acusador de “polícia fascista”. As mensagens do agora coronel Fabio de Souza e seu grupo comprovam que os manifestantes não exageravam. Ele que não tolera manifestantes e se orgulha de ter acertado uma bomba em um deles (“Na última manifestação q fui dei de AM640 inferno azul nas costas de um black bobo no máximo 30 metros!!! Que orgulho!!!”) – cujo caso desconheço mas tenho certeza de que a uma distância dessas o ferimento foi grave – e que ironiza o uso da tonfa para imobilização de manifestantes (“Mata! Assim imobiliza pra sempre… Tonfa é o caralho, 7.62 mata eles tudo”) havia sido exonerado devido seus excessos. E Beltrame havia promovido. Um morde-e-assopra que retrata bem o quadro de fragmentação pelo qual passam as polícias no país.

Se não é justo afirmar que a totalidade das polícias concorde com os preceitos de Hitler, o Inquérito Policial Militar confirma que parte dela tem sim uma identificação nazista subcutânea.

Dezenas de estudos e pesquisas vêm demonstrando o higienismo institucionalizado contra a população negra e jovem praticado por policiais brancos. Hoje está provado que parte deles se considera “raça pura”. E agora? Ou a polícia atua no sentido de limpar a casa ou o que hoje é um grupo de Whatsapp poderá se tornar um Facebook de genocidas. O debate sobre a desmilitarização no Brasil é cada vez mais urgente.