O estranho caso do delegado que prendeu Garotinho. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 19 de novembro de 2016 às 8:01
O delegado da PF Paulo Cassiano Júnior
O delegado da PF Paulo Cassiano Júnior

 

Não tenho motivo para defender o ex-governador Anthony Garotinho, preso sob acusação de chefiar um esquema de compra de votos através de um programa social de Campos.

Mas, depois que escrevi aqui que a prisão dele era suspeita — casos explícitos de uso do poder econômico para manipular resultado de eleição não teve repercussão judicial, caso do prefeito eleito de São Paulo João Dória, acusado pelos próprios correligionários de comprar apoio para ser indicado candidato –, recebi algumas mensagens de leitores que me chamaram a atenção.

“Você precisa saber o que acontece em Campos”, disse uma leitora a respeito da atuação do delegado da Polícia Federal que prendeu o ex-governador depois de comandar o inquérito que apurou supostas irregularidades no programa social Cheque Cidadão, um tipo de Bolsa Família local que tem raízes anteriores ao próprio programa do Governo Federal.

O delegado da PF, Paulo Cassiano Júnior, teria feito campanha para o candidato que derrotou o grupo de Garotinho na cidade.

Achei difícil de acreditar.

Mas fui verificar através de links que ela me mandou e vi que, no dia 12 de setembro do ano passado, quando as pesquisas indicavam uma disputa apertada na cidade, saiu do celular (22) 99981-99XX a seguinte mensagem:

“Amados amigos, a corrente do bem não para de crescer. Aproxima-se o dia em que Campos será libertada da escravidão e devolvida e devolvida aos seus legítimos usufrutuários: os campistas. Vai ser diferente!!!”

campanha delegado

 

A última frase – “Vai ser diferente” – era o slogan da campanha de Rafael Diniz, do PPS, o candidato que acabaria derrotando o candidato de Garotinho.

O celular (22) 99981-99XX era um dos números pessoais utilizados pelo delegado da PF.

Paulo Cassiano Júnior foi denunciado à Justiça eleitoral por suspeição na condução do inquérito que, afinal, apurava crime eleitoral.

Mas a mesma Justiça que determinou a prisão de Garotinho ignorou a denúncia. E o delegado, questionado pela imprensa local, não quis responder:

— Só falo sobre as provas dos autos.

Mas ontem, depois da prisão, disse às emissoras de TV:

— Garotinho chefia uma organização criminosa.

Campos já foi uma das maiores produtoras de cana de açúcar e estive lá em 1996, para uma reportagem sobre trabalho infantil que acabaria recebendo o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos.

Encontrei crianças no canavial, comandada por feitores que se deslocavam de cavalo, enquanto elas, de facão na mão, deitava as canas, sob sol inclemente.

Algumas delas tinham dois anos de escolaridade. Foram justamente os anos em que vigorou na cidade um programa patrocinado por uma fundação alemã, em parceria com a prefeitura de Campos.

A prefeitura repassava aos pais dos alunos um dólar doado pela fundação alemã para cada dia de frequência das crianças na escola. Graças a isso, pais tiraram os filhos do canavial e a colocaram no banco da escola.

Fiz as contas e escrevi que era relativamente barato tirar as crianças do trabalho – 22 dólares por mês. O assunto ganhou repercussão nacional e o bolsa escola, pioneiro em Campos, já em vigor no Distrito Federal, se expandiu até virar o bolsa família.

O prefeito que fez esse convênio com a fundação alemã era Garotinho, que depois se elegeria governador do Rio de Janeiro – programa social dá voto. O prefeito que veio em seguida não deu sequência ao programa, naquela ocasião.

O que aconteceu em Campos agora, com a prisão de Garotinho e o engajamento do delegado da PF na campanha eleitoral, é o reflexo do que acontece num plano maior.

O delegado que chefia a Lava Jato, em Curitiba, participava de um grupo no Facebook, antes da eleição presidencial de 2014, chamado Organização de Combate à Corrupção, que tinha como símbolo a caricatura de Dilma e uma faixa vermelha com a frase “Fora, PT!”.

Um subordinado desse delegado postou foto ao lado de um alvo cravejado de balas. No centro do alvo, o rosto da então presidente da República.

Quem pensa que a Lava Jato era um assunto local, restrito a Curitiba, se enganou. Quem acha que Garotinho é um assunto paroquial, restrito a Campos, também pode estar equivocado. A caça já começou. Quem será o próximo alvo?