O maior protesto da história das Olimpíadas

Atualizado em 28 de julho de 2012 às 8:51

 

 

México, 1968

Os anos 60 foram uma época especialmente dramática para os negros americanos. Martin Luther King, o ativista pacífico, foi assassinado. Malcom X, o ativista agressivo, também. Muhammad Ali perdeu o título de campeão mundial dos pesos pesados por se recusar a lutar no Vietnã.

A luta dos negros americanos contra o racismo atingia novos patamares quando chegaram os Jogos Olímpicos do México, em 1968. Os atletas negros consideraram a possibilidade de simplesmente boicotá-los. Não chegaram a tanto. Mas criaram uma associação que deixava clara sua insatisfação com as coisas como eram, a OPHR, as iniciais em inglês de Projeto Olímpico pelos Direitos Humanos.

No segundo dia da competição, foram disputados os 200 metros livres, uma das provas mais nobres do atletismo. O resultado não surpreendeu: dois americanos negros no pódio, e entre eles, em segundo lugar, um australiano.

O que chocou foi a atitude deles quando tocou o hino americano. Tommie Smith, medalha de ouro, e John Carlos, de bronze, baixaram ligeiramente a cabeça e ergueram desafiadoramente um braço com luva preta, na saudação consagrada pelos Panteras Negras, um grupo que fez história no combate à discriminação nos Estados Unidos.

Da esquerda para a direita, Norman, Smith e Carlos

O corredor australiano, Peter Norman, deixou claro seu apoio aos rivais. Recebeu a prata com um distintivo do OPHR na camiseta. Antes, Norman tivera já uma participação relevante no bastidor do protesto mudo: Carlos esquecera o par de luvas que colocaria caso subisse ao pódio. Norman, ao saber disso, sugeriu que cada um dos americanos usasse uma luva.

A imagem dos três no pódio é uma das cenas mais extraordinárias de todas as Olimpíadas disputadas na era moderna, e com o tempo se transformaria num símbolo resistente, poderoso, tocante do movimento de afirmação dos negros americanos.

O Comitê Olímpico Internacional condenou severamente o gesto, sob a alegação de que esporte e política não combinam. A mídia americana criticou intensamente Smith e Carlos. A revista Time sublinhou a “raiva e a feiúra” do protesto. Correram rumores de que ambos perderiam as medalhas, o que acabou não se concretizando.

De volta aos Estados Unidos, Smith e Carlos acabaram relegados a um virtual ostracismo pelas autoridades que comandavam o atletismo americano – brancas, naturalmente. Com a passagem dos anos os dois foram saindo de párias para aquilo que são hoje – heróis.

Menos sorte teve o australiano solidário. Norman passou a ser ignorado pelos chefes do atletismo australiano e, também, pela imprensa local. O racismo grassava também na Austrália – onde os aborígines, os nativos, eram tratados como cidadãos de segunda classe. Sua carreira entrou em colapso e, com ela, sua vida pessoal. Norman logo teria problemas com bebidas. Jamais foi perdoado na Austrália. Um dos mais repulsivos sinais disso é que ele foi ignorado pelos organizadores das Olimpíadas de Sidney de 2000 – mesmo tendo sido um dos maiores corredores da história do país.

O que ele não perdeu jamais foi a amizade, a admiração e o reconhecimento dos dois amigos que fez em 1968 no México. Não perderam contato nunca mais. Em seu funeral, em 2006,  Tommie Smith e John Carlos estavam presentes – e carregaram o esquife do amigo branco que, contra todas as probabilidades, entrou para a história dos direitos civis dos negros americanos no que era para ser apenas mais uma competição esportiva.