O misterioso comportamento de Dona Ruth Cardoso. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 24 de fevereiro de 2016 às 22:33
Como ela aceitou uma humilhação em praça pública?
Como ela aceitou uma humilhação em praça pública?

O personagem que realmente me intriga no caso FHC-Mírian Dutra é Dona Ruth.

FHC é aquele predador típico, um Conde Vronski que abate a mulher e a larga depois sem nenhuma cerimônia. É um homem que não hesita, no apogeu da paixão, em escrever para a amante cartas ridículas de amor em que é capaz de afirmar, num velho clichê que ainda funciona, que mantém um casamento de conveniência.

Mírian é a clássica alpinista social, uma Betsabá que não hesita em ceder tudo a um homem poderoso, uma mulher ambiciosa que sabe a força de um corpo jovem diante de homens muito mais velhos, ávidos por provar a outros idosos que ainda têm potência.

São velhos clichês, em perpétua renovação.

Mas e Dona Ruth,  como entendê-la na trama?

Uma intelectual, uma pioneira do feminismo, uma mulher de luz própria se submeter a uma situação tão associada a mulheres submissas, passivas, amarradas a casamentos de fachada?

Para isso, parece não existir resposta satisfatória.

Compare com a mulher de outro predador, Bill Clinton. Clinton se meteu, numa história que abalou os Estados Unidos, com uma estagiária que poderia ser sua filha.

Hillary não o abandonou, para surpresa de muita gente.

Mas havia ali um cálculo político. Hillary ficou ao lado de Clinton numa posição constrangedora. Mas em troca recebeu a garantia de que o marido mulherengo a apoiaria em suas pretensões presidenciais.

Eis Hillary aí lutando pela Casa Branca. Hillary obteve a retribuição combinada pelo papel de esposa imbecil. Como a política interessa a ela muito mais que questões conjugais, foi uma troca interessante para ela.

Mas e Dona Ruth?

Que ela teve em troca por caminhar ao lado do marido presidente sabendo que todo mundo tinha ciência das foliais sexuais dele?

Tantos livros, tantas leituras, tanto estudo sobre o feminismo, e lá estava ela como uma mulher que aceita participar de uma farsa destinada a enganar não apenas um círculo específico, mas um país inteiro.

Não havia exemplo pior que ela pudesse dar às mulheres. Ela pregava a libertação feminina de papeis ancestrais, mas na vida prática fazia o oposto. Reproduzia um comportamento que rebaixa as mulheres a mero acessório masculino.

Disso ela, com certeza, sabia, como um ladrão que não tem como desconhecer que está batendo uma carteira.

Por que, mesmo assim, não rompeu com uma história em que sua parte era tão miserável? Por que se deixou desrespeitar numa escala tão monstruosa?

Este é o grande, o eterno enigma de uma história sob tantos aspectos ao mesmo tempo prosaica e abjeta.

Há nela um envelhecido sedutor inescrupuloso e uma mulher jovem também sedutora e também inescrupulosa, e é tentador dizer que ambos se mereceram e tiveram aquilo que se espera de encontros daquela natureza.

Mas há também uma mulher que não se encaixava nos estereótipos, e por que ela teve uma atitude tão caricatural é um mistério que vai perdurar.