O nocaute sofrido por Otávio Frias num debate em Londres. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 22 de junho de 2016 às 21:14
Frias entrou numa fria em Londres.
Frias entrou numa fria em Londres

E eis que vejo Otávio Frias Filho num ambiente desfavorável, graças a um vídeo do Cafezinho.

Frias está em Londres, num seminário que discute a mídia e a democracia no Brasil.

São trinta minutos de vídeo. Nos primeiros quinze, ele ouve um diagnóstico devastador — e preciso — de uma jornalista britânica especializada em América Latina, Sue Branford.

Não houve surpresa no que ela disse. A novidade foi ver Frias ouvir tudo aquilo sem filtros.

Sue disse o básico: que a concentração da propriedade da mídia em três ou quatro famílias no Brasil é uma desgraça para a democracia.

Que os donos das empresas jornalísticas, “altamente conservadores”, manipulam seus leitores, ouvintes e espectadores.

Só faltou ela usar a palavra consagrada por Paulo Henrique Amorim para designar a mídia nacional: PIG. Mas o sentido do que ela disse, com acurácia e com calma, foi exatamente este.

Frias aguentou estoicamente a pancadaria. Aparentemente. Porque, assim que lhe foi dada a palavra, mostrou raiva e um certo vitimismo.

Acusou os organizadores de não terem montado uma mesa plural. Queria alguém que representasse o PSDB na mesa. Porque Sue soava como alguém da “militância petista”.

Ora, ora, ora.

É um reducionismo patético que faz parte da defesa automática dos proprietários da imprensa. Todas as críticas que os progressistas façam à mídia são imediatamente catalogadas como de origem petista.

Os Marinhos e seus fâmulos colunistas fazem sempre isso. É uma forma canhestra, e nada convincente, de se defenderem. Frias fez, em Londres, exatamente o mesmo.

Eu, por exemplo. Não sou petista. Jamais tive vínculo nenhum com o PT. E entendo que Sue Branford estava 100% correta.

Frias alegou o “pluralismo” da Folha. Citou alguns colunistas de esquerda, como se isso provasse alguma coisa.

Não prova. Não apenas porque os colunistas de direita da Folha são em número muito maior mas sobretudo porque a tendenciosidade de um jornal não se mede nos colunistas e sim nas manchetes, nas reportagens, no espaço que você dá a um assunto ou outro.

A rigor, os colunistas progressistas da Folha servem simplesmente para o jornal alimentar a propaganda antiga de pluralismo, de não ter o “rabo preso com ninguém”.

Frias defendeu também as famílias da mídia. Fez o elogio, na verdade o autoelogio, das empresas familiares. Elas são mais comprometidas com certos valores que as demais empresas, afirmou. E citou o New York Times, um jornal de propriedade familiar.

É o chamado sofisma. Primeiro, quais são os valores defendidos pelos Marinhos, ou Frias, ou Civitas? O que existe de edificante no que eles pregam e publicam? Basta ver a monumental desigualdade social brasileira para ver que eles defendem principalmente os seus próprios interesses. Não à toa, num país miserável, os donos da mídia são bilionários.

Mas existe ainda um ponto vital nisso. Quais as barreiras que as famílias da imprensa enfrentam no Brasil para impor sua agenda?

Não existem. Na Inglaterra de Murdoch ou nos Estados Unidos do NY Times, publicação nenhuma pode fazer impunemente o que os jornais e revistas fazem no Brasil.

A Justiça fiscaliza, por exemplo. A Rolling Stone enfrenta a perspectiva de uma indenização de cerca de 100 milhões reais por haver publicado uma reportagem cheia de erros sobre um estupro numa universidade americana.

No Brasil, a Veja deu às vésperas das eleições de 2014 uma capa que afirmava que Lula e Dilma sabiam de tudo sobre o petrolão, com base numa alegada delação de Youssef.

Vieram depois os termos exatos da delação. Youssef simplesmente jamais disse o que a Veja disse que ele disse. Algum delegado da PF vazou uma mentira conveniente à Veja.

O que aconteceu com a Veja? Nada. Continuou a fazer, impunemente, o que mais faz: publicar mentiras.

Em vez de fiscalizar a mídia, a Justiça brasileira confraterniza com ela. São chocantes, para quem conhece sociedades avançadas, as fotos de donos de jornais e revistas abraçados a magistrados da Suprema Corte.

Em suma: invocar o NY Times para legitimar a concentração da mídia no Brasil em três ou quatro famílias é uma falácia.

Frias terminou sua intervenção citando uma alegada contradição no discurso dos críticos da mídia. Ou ela está decadente diante do avanço da internet, afirmou, ou é poderosa a ponto de promover um golpe. “Não dá para ser as duas coisas”, disse.

Dá.

As grandes empresas de mídia são, sim, decadentes. Num espaço médio de anos, estarão mortas ou rastejando, tragadas pela internet.

Mas, mesmo declinantes, conservam ainda o poder de influenciar a parcela mais conservadora e antigital da sociedade — na qual se incluem os políticos e os magistrados.

Os jovens ignoram o Jornal Nacional, mas os velhos políticos tremem de medo à ideia de serem alvo de uma matéria negativa.

Em suma: Frias foi derrotado por nocaute, em Londres, pela britânica Sue Branford. Ouviu verdades doídas e respondeu com falácias inconvincentes.