O poder global dos Estados Unidos está diminuindo velozmente?

Atualizado em 13 de julho de 2015 às 10:35

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Publicado na BBC Brasil.

 

Testemunhando a virada do milênio no Washington Mall (o parque americano em frente ao Capitólio), era impossível não sentir o poder americano e sua influência global.

A vitória na Guerra Fria tornou o país hegemônico em um mundo unipolar.

Até a queima de fogos de Ano Novo, que iluminou o obelisco do Monumento de Washington de uma maneira que ele ficou parecendo um número “1” gigantesco, projetava a supremacia do país como a única superpotência.

 

Mas, nos últimos 15 anos a sorte americana começou a mudar a uma velocidade vertiginosa.

Primeiro vieram os temores sobre o colapso das empresas de internet e as eleições presidenciais de 2000. Depois as convulsões massivas: a destruição das Torres Gêmeas em 2001 e a quebra do banco Lehman Brothers em 2008.

Longas guerras no Afeganistão e no Iraque cobraram um alto preço – as vidas de 6.852 militares americanos – sem mencionar despesas da ordem de US$ 6 trilhões.

O centro de detenção da Baía de Guantánamo minou os ideais americanos e os escândalos de espionagem da NSA revelados pelo Wikileaks enfraqueceram a diplomacia do país.

George W.Bush, um presidente com uma visão de mundo maniqueísta, foi retratado como ansioso demais para promover o poderio militar americano, sem adequadamente considerar as consequências de longo prazo.

Já Barack Obama, que baseou sua campanha de 2008 na plataforma de retirar a América de suas guerras impopulares e exaustivas, foi criticado por se afastar demais.

Sob os dois presidentes – o primeiro unilateralista impulsivo e o segundo um multilateralista instintivo – a posição global americana diminuiu.

Fator de perda do medo

Pesquisas mostram regularmente que os americanos reconhecem que a posição internacional do país minguou.

Entre os jovens, a percepção da influência americana caiu rapidamente. Apenas 15% dos jovens com idades entre 18 e 29 anos diz acreditar que os Estados Unidos são “o país mais grandioso do mundo” – de acordo com o centro de pesquisa Pew.

Mas não houve grandes queixas em relação a isso.

 

Não há mais tanto apetite para ver a América exercendo um papel a longo prazo de polícia global – mesmo no momento em que surge o grupo que se autoproclama Estado Islâmico.

O custo, humano e financeiro, é considerado elevado demais. Os americanos cada vez mais pensam que outros países devem ajudar a carregar o fardo.

Obama regularmente pontua declarações sobre política externa reconhecendo os limites do poder americano, também sem gerar reclamações.

A conclusão é que os Estados Unidos não estão mais tão interessados em exercer liderança em um mundo cada vez mais confuso.

Contudo, uma das razões do mundo ter se tornado tão desordenado é porque a América não está mais tão ativa, impondo ordem.

Ao longo do curso deste século Washington perdeu seu fator de produzir medo.

Ignorando a Casa Branca

Os líderes mundiais agora parecem dispostos a provocar a ira da Casa Branca confiantes de que ela nunca se abaterá sobre eles.

Isso explica porque o presidente sírio Bashar al-Assad após desencadear o uso de armas químicas contra seu povo os continua bombardeando com bombas “barril”.

Ou porque Vladimir Putin anexou a Crimeia e ainda ofereceu abrigo para Edward Snowden, que expôs segredos da NSA.

E também porque Benjamin Netanyahu aceitou um convite da liderança republicana para falar no Congresso americano contra o acordo nuclear com o Irã.

O desrespeito de Assad às advertências americanas é notório.

Matando civis com armas químicas ele cruzou de forma flagrante a “linha vermelha” imposta por Obama – mas escapou de punição.

Até apoiadores de Obama dizem acreditar que ele cometeu um erro estratégico fatal ao demonstrar flexibilidade sem limites e falta de resolução.

Não é preciso dizer que déspotas ao redor do mundo tomaram nota.

Mão fraca

A relutância americana a lançar novas ações militares também tiveram influência nas negociações nucleares com o Irã.

Teerã conseguiu extrair notáveis concessões, como a atual habilidade de enriquecer urânio, até agora descartada pelos americanos.

 

Mas não são apenas os inimigos dos Americanos que não temem mais a Casa Branca. Em meses recentes, dois aliados próximos, a Grã Bretanha e a Austrália, desafiaram a administração Obama ao juntar-se ao Banco de Infraestrutura e Investimento da Ásia.

Ao se juntar à instituição, estão efetivamente endossando o esforço de Pequim para estabelecer rivais para as instituições de Bretton Woods, o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional), que são dominados pela América.

Linguagem ambígua

Ao procurar melhorar relações diplomáticas e comerciais com a China, a Grã-Bretanha e a Austrália estão se garantindo.

Eles suspeitam que os Estados Unidos podem não ser a potência militar dominante indefinidamente, nem a potência econômica mais importante do mundo.

Outros aliados americanos também se queixariam de que o “fator de dependência” desapareceu.

Israel se sente desiludido com a administração Obama em relação à negociação com o Irã e as relações entre Benjamin Netanyahu e Barack Obama são venenosas.

O presidente, usando linguagem deliberadamente ambígua, até assinalou que sua administração pode acabar com sua tradicional proteção a Israel nas Nações Unidas.

Como Israel, a Arábia Saudita se enfureceu com a perspectiva de negociação nuclear com os Iranianos.

Riad também sabe que a América não é mais dependente de seu petróleo, o pilar das relações entre essas nações desde a Segunda Guerra.

Ex-inimigos

Além de tudo, Obama não investiu a mesma energia fomentando alianças como seus predecessores.

Aqui, eu suponho, Obama reconhece intelectualmente que ele poderia fazer muito mais em termos de massagear os egos dos líderes mundiais, mas não consegue fazê-lo.

De fato, uma queixa comum é que a administração Obama priorizou normalizar relações com ex-inimigos, como Irã e Cuba ao preço de longevas amizades.

Percebendo que a América não está dando apoio, não está mais engajada no Oriente Médio, os sauditas recentemente tomaram ações militares próprias no Iêmen.

Também houve um aquecimento das relações entre Riad e Moscou.

O Egito lançou ataques aéreos em fevereiro contra o Estado Islâmico na Líbia.

A presença americana no Oriente Médio minguou inquestionavelmente.

África e Ásia

Mais surpreendente foi o deslize na África, terra dos ancestrais de Obama, e na Ásia, foco de sua alardeada articulação.

Na Ásia, a média de aprovação dos americanos em 2014 foi de 39%. Segundo a Gallup uma queda de 6% em 2011.

Na África, a aprovação média americana caiu para 59%, a mais baixa desde o inicio das pesquisas, apesar de Obama ter sediado a Cúpula de Líderes EUA-África em agosto do ano passado em Washington.

Presidente ou Congresso

O republicano John Boehner convidou Netanyahu a falar ao Congresso, sabendo que isso influenciaria a Casa Branca.

Democratas com reservas sobre o livre comércio tentaram sabotar a Parceria Trans-Pacífica, o maior tratado de negócios desde o Nafta.

Também houve grande oposição do Congresso para uma das maiores iniciativas do segundo mandado de Obama, a reaproximação com Cuba.

Os países devem então ouvir o presidente ou o Congresso?

A América não pode nem reivindicar mais seu grande e inconteste crescimento desde 1872, sendo a maior economia do mundo. O FMI estima agora que a economia da China seja maior.

Porém seria um erro exagerar a redução da influência americana.

O investimento militar americano continua muito superior ao de seus rivais e até o ano passado era maior que a soma das quantias aplicadas pelos países nas dez posições seguintes. Em 2014, a América gastou US$ 731 bilhões. A China US$ 143 bilhões.

Apesar da América estar rivalizando com o crescimento do resto dos países – China, Índia, Alemanha e Rússia – ela ainda não foi superada pelos rivais emergentes.

De fato, há analistas de política internacional aqui que estimam que os Estados Unidos vão preservar sua preeminência por pelo menos mais 20 anos

Contudo o momento unipolar desencadeado pela queda do muro de Berlim provou ser apenas isso: momentâneo.

Além disso, sonhos de uma nova ordem mundial após o colapso da União Soviética deram passagem a um pessimismo sobre a difusão da desordem global.

Se foram as certezas do pensamento americano da Guerra Fria, quando as ações dos Estados Unidos eram governadas pela contenção do comunismo.

Foram-se as doutrinas que deram à política externa americana seu formato rígido ao longo da Guerra Fria e dos desdobramentos de 11 de Setembro.

E também se foi a noção de qualquer luta é uma luta Americana – e com isso uma redefinição do que constitui o interesse nacional Americano.

Barack Obama ao contrário sustentou o pragmatismo e a destreza diplomática, tentando conduzir a nação sem que ela fique sobrecarregada ou pouco comprometida.

O desafio primordial para a diplomacia americana nos próximos 20 anos é atingir esse equilíbrio.