O que acontece com uma mulher bonita que se faz de bêbada na rua? Por Nathalí Macedo

Atualizado em 2 de novembro de 2015 às 5:38
Ninguém ajudou
Ninguém ajudou

O assédio sexual por tantos anos negado, omitido e banalizado, finalmente está em pauta.

Um centro de tratamento para dependentes químicos em Madri realizou um experimento em que uma atriz fingia estar bêbada e pedia ajuda a homens aleatórios na rua. Ela dizia ter bebido durante a manhã e se perdido de suas amigas. O resultado foi o mais assustador possível.

A atriz foi assediada, “cantada” e levada para locais afastados por homens que tentaram beijá-la, apalpá-la e oferecer-lhe mais bebida, aproveitando-se descaradamente e em plena luz do dia da vulnerabilidade da suposta mulher bêbada.

A equipe ficou estupefata com o resultado do experimento. “Ficamos assustados com a atitude das pessoas. Esperávamos insinuações e comentários, mas nunca que os homens fossem tentar abusar fisicamente da mulher em plena luz do dia em Madri. Sinceramente, isso foi uma surpresa”, disse o psiquiatra José Miguel Gaona, coordenador do projeto.

Para nós, mulheres, o resultado não é tão surpreendente assim: nós o vivenciamos todos os dias quando precisamos controlar a nossa própria bebida ou pedir que alguma amiga permaneça sóbria para nos proteger de eventuais ataques. Ou quando hesitamos em tomar um táxi, ou quando percebemos que, de alguma maneira, os homens definem o quão boêmias podemos ser.

A verdade – que nós, mulheres, já sabemos de cor, e que agora está sendo revelada da maneira mais incisiva possível a quem nunca quis enxergá-la – é que o assédio é algo natural para a maioria dos homens. E que muitos desses homens, provavelmente, viram seus pais assediarem mulheres na rua. E seus irmãos, tios e primos mais velhos. Que muitos deles cresceram em uma cultura do assédio e do estupro – que poderiam, por óbvio, ter renegado com apenas um pouco de empatia.

O Brasil pôde ver isso, inclusive, em outra oportunidade, quando um participante do reality Big Brother Brasil estuprou outra participante, bêbada, diante das câmeras. O estupro e o assédio são coisas tão naturalizadas e socialmente aceitas que se pode fazer isso em rede nacional – ou no meio da rua, em plena luz do dia, como neste caso.

A educação machista que ainda hoje se pratica ensina, ao contrário, que assediar uma mulher ou não só depende de uma oportunidade – e, pior ainda: que nós, mulheres, é que criamos essa oportunidade (e, portanto, merecemos o abuso). “Ela estava pedindo!”

Não se pode dizer, portanto, que o abuso sexual é uma doença ou um desvio de caráter: é uma cultura, a mais nítida amostra de violência institucionalizada. E é por isso que nós precisamos falar de assédio, todos os dias. Não apenas quando uma mulher é estuprada em rede nacional, uma atriz é assediada em plena luz do dia ou uma criança é vítima de comentários pedófilos na rede.

O patriarcalismo esqueceu de ensinar aos meninos e homens o óbvio: não se pode fazer com o corpo de outra mulher nada além do que ela mesma permita, por mais vulnerável que ela se mostre, por mais bêbada que esteja, por mais curtas que sejam suas roupas, por mais atraentes que sejam os seus peitos.

De nada adianta se indignar com casos de assédio se a própria sociedade perpetua uma cultura que o permite. Nós precisamos falar de assédio com nossos filhos, em nossos almoços de família, em nossas redes sociais, em nossas escolas – até que o abuso seja visto do jeito que deveria ter sido todos estes séculos: como um crime, e não uma prova de virilidade e macheza, como até aqui o encaramos. A aniquilação da cultura do estupro pede educação – e pra já.