O que aprendi com Paulo Nogueira. Por Pedro Zambarda.

Atualizado em 30 de junho de 2017 às 21:51
Big Boss

Poucos profissionais me instigaram tanto o exercício da curiosidade e a necessidade de melhora pessoal quanto Paulo Nogueira.

Entrei na Abril como freelancer e me tornei repórter efetivo da editora, onde permaneci por mais de dois anos, e lá ouvi as histórias de José Roberto Guzzo, muitas que soube mais pelo Paulo.

Ele já não estava mais na Abril, mas era uma referência para todos os jornalistas.

Soube que o primeiro emprego de Paulo Nogueira na imprensa foi na seção de livros da revista Veja.

Na Abril, além da Veja, foi o profissional que transformou a revista Exame, onde trabalhei, na maior referência de jornalismo de negócios.

Na Época, da editora Globo, ele seria chefe de muitos dos meus amigos.

Quando eu fui demitido em 2012, na crise monumental que se aproximava da editora e da grande mídia, fui trabalhar como colunista na Globo.com (TechTudo) e depois em assessoria de imprensa.

Paulo continuava uma referência para mim e, nesta época, me encorajei e troquei palavras com ele pelo Facebook e pelo e-mail, falando sobre Albert Camus, um dos meus autores favoritos, meu tema de iniciação científica na faculdade.

Eu sempre o enxerguei como um profundo amante da literatura. Ele gostava muito dos autores ingleses, mas conhecia a fundo o franco-argelino Camus.

E sempre teve uma cultura de leitura muito rica e saborosa de se partilhar.

Quando saí da Globo, eu arrisquei uma conversa pessoal com o Paulo. Ele me pediu para conversar com seu irmão Kiko.

Foi assim que eu os conheci e a ideia deles de transformar a antiga coluna de Paulo Nogueira na revista Época, publicada de Londres, num site de notícias e análises sobre política e generalidades, o hardnews.

Tornei-me repórter de política graças a eles.

Paulo sempre foi um “big boss”, e eu o chamava assim em nossas conversas.

Ele tinha um texto impecável, conciso e eficiente, e sempre o vi como um chefe muito duro no dia a dia.

Logo descobri que, ao mesmo tempo em que cobrava, dava segurança, encorajava e era generoso.

Mais de uma vez, me citou em seus textos, com palavras de apoio e de defesa.

Senti-me com liberdade para discordar de alguns pontos que ele expressou em seus textos.

Ele me achava imaturo em muitos posicionamentos, mas estava disposto a ensinar o que sabia.

E isso não era pouca coisa.

Ele morreu muito novo, com apenas 61 anos.

Mas com uma experiência que não se pode contar em anos.

Com a minha idade (tenho 28), ele já era editor da revista Veja São Paulo. Depois dirigiu a Exame, teve outras funções na alta direção da Abril e editou a revista Época.

Na editora Globo, criou as revistas Época São Paulo e Época Negócios, sendo a última a maior concorrente de sua antiga revista.

Sua passagem dentro da Editora Globo é muito lembrada, porque deu as bases para a criação do DCM.

De maneira injusta, Paulo e o Diário do Centro do Mundo eram acusados de serem “petistas”.

O DCM e o seu criador são esquerda, mas é difícil para muitos separar a visão de mundo do rótulo partidário.

Talvez por má-fé ou insegurança. Ou, o que é mais provável, as duas coisas.

Paulo Nogueira, que tinha dirigido a revista Exame, a mais respeitada no meio empresarial brasileiro, se tornou uma voz contra esta maledicência.

Nunca se calou e é justamente com essa coragem que eu sempre vou me identificar como profissional.

Conversamos poucas vezes pessoalmente nestes três anos de reportagem no DCM.

Ficou na minha memória a sua imagem com uma bengala, quase como um lorde inglês, me cobrando cumprimento de prazos e o rigor na apuração.

Ele sempre me disse que, no Brasil, existe espaço para veículos de esquerda, em qualquer área, seja de economia, comportamento, cultura ou qualquer outra editoria.

Ele nunca falou de videogames, assunto a que eu me dedico, mas acredito que Paulo Nogueira sempre enxergou espaço para novas abordagens no jornalismo, inclusive nessa área.

Quando se é realmente crítico e se sabe expor e defender ideias, como era o Paulo, sempre se encontra espaço.

Creio que o maior legado de Paulo, incorporado como missão do DCM, é a disposição para transformar o Brasil num país verdadeiramente democrático, com igualdade de oportunidades, justo, livre de preconceitos.

Paulo me ensinou que mudar de ideia não está errado.

E saber defender boas ideias é o objetivo que todo o jornalismo de opinião e análise deveria ter como meta.

Obrigado pelas lições, Big Boss.