A onda de invasões a shoppings

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:14

shopping

Quando milhares de jovens da periferia “invadem” um shopping center, como ocorrido recentemente no Shopping Itaquera e neste último final de semana no Shopping Internacional de Guarulhos, o recado a ser compreendido é o oposto do que a média da opinião pública formula.

Eles não invadiram os shoppings para demonstrar sua raiva contra o capitalismo, combater a sociedade de consumo ou qualquer outra panfletagem. Nada disso. Antes, são adoradores do funk ostentação, desejam os mesmos bens materiais utilizados pela elite, muitos deles inclusive calçavam tênis de mil reais e bonés que custam inexplicáveis 200 paus (um boné!!). São pessoas que querem ostentar luxo da mesma maneira que a madame faz, diga-se.

As invasões em massa nesses centros aglutinadores da classe média têm o objetivo de alertar para algo muito mais profundo do que apenas “zoação”, ou “tocar o terror”. Sempre discriminados, o que esses jovens desejam é ser aceitos nesses guetos brancos, limpos, cheirosinhos, seguros e com ar condicionado. Ao contrário do que pensa a maioria, não estão invadindo para roubar. Querem mostrar que gostariam de estar invadindo para comprar, gastar. São fãs do falecido MC Daleste e sonham com relógios dourados, carros caríssimos, grifes exclusivas, champanhe e camarote.

Por que esse comportamento na pele de um jovem negro de periferia é sinônimo de mau gosto, de vazio, de futilidade, mas na carcaça lipoaspirada da madame é símbolo de status e poder? Eu não vejo nenhuma diferença.

Vestindo grifes que são vendidas nos mesmos shoppings invadidos, a única diferença entre esses jovens e as madames é a cor da pele. E o tratamento ao qual estão sendo submetidos diante dos olhos de todos, com fotos nos jornais de seguranças privados apontando armas de fogo contra meninos negros nas praças de alimentação desses locais, nada mais é do que uma ampliação daquilo que é realizado silenciosamente todos os dias, há décadas.

O mundo está ao contrário e essas pessoas e corporações não repararam. O jovem universitário, “bem nascido”, morador de Pinheiros, está morando em ocupações, brigando por melhorias nos serviços públicos, lutando ao lado de desabrigados e questionando a ganância e especulação imobiliária ao passo que o morador de Itaquera quer finalmente colocar as mãos nos objetos que durante toda a vida representaram o obstáculo para sua aceitação na sociedade. “Se o que me diferencia do outro é o quanto ele tem e eu não tenho, então agora posso comprar também.” Mas o tratamento dado a ele é diverso, é repressivo, é preconceituoso. Ao entrar na loja, será perseguido pelo segurança, receberá o desdém da vendedora, enfrentará olhares cínicos dos demais “consumidores”.

Se ele hoje está sendo expulso do shopping na base da pura segregação (pois em nenhuma das invasões ocorreu nenhum furto nem qualquer outra atitude ilícita que justificasse o cartão vermelho), não há absolutamente nenhum fato novo. As únicas diferenças são a quantidade de expulsos ao mesmo tempo e o detalhe que agora todos estão vendo isso na TV. Horrorizados, claro.