O suspeito de matar o médico no Rio era “bucha”? Providenciemos outro. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 1 de junho de 2015 às 20:07
O suspeito de ter matado o médico Jaime Gold
Um dos suspeitos de ter matado o médico Jaime Gold

 

O assassinato brutal do médico Jaime Gold na Lagoa, no Rio, resultou no linchamento previsível dos supostos responsáveis. Imediatamente, a quantidade de juízes apontando o dedo para o primeiro “moleque” — na definição do prefeito Eduardo Paes — foi avassaladora.

Colunistas pediram pena de morte. O Globo, que apoia a redução da maioridade penal, fez uma cobertura obsessiva desde o início, culminando com um perfil absurdo de Gold, abrindo com “como diziam os antigos, ele não era deste mundo”.  E assim o cardiologista virou mártir de uma causa com a qual jamais saberemos se concordava. Pouco mais de uma semana depois, a Delegacia de Homicídios, DH, apanhou mais um menor e avisou que encerrava o caso.

Já? Não demorou para surgirem os buracos na “investigação”: o depoimento da única testemunha, um frentista, não batia, o apelido de um dos suspeitos era outro, a “confissão” não existiu. O homem que testemunhou a ocorrência diz ter avistado um branco e um negro. Os dois detidos são negros.

A histeria forneceu o ambiente propício para o surgimento de oportunistas e demagogos de todas as idades e tamanhos. “Como se trata um sujeito desses? Falta presença do estado, de policiamento para esse moleque, que é um bandido, que estava roubando, estava esfaqueando os outros com um grau de violência assustador”, falou Paes. Eduardo Cunha anunciou que deseja um referendo sobre o tema.

A delegada Monique Vidal, um tipo que serviu de inspiração para personagem de novela, escreveu e apagou uma série de posts no Facebook. De acordo com ela, o jovem capturado logo após a tragédia era “bucha” (o sujeito pego para dar um calaboca).

“Passamos a noite em claro e foi o delegado Bruno, adjunto da 14ª DP, que foi ao hospital e pediu aos policiais que fossem ao posto. Naquela noite, ele (o frentista) disse que não tinha condições de reconhecer”, escreveu. “No dia seguinte, já em outra DP, ele reconheceu em fotos”.

Finalizou: “Enfim… Segue o baile”.

A ex-mulher de Gold, Mária Amil, declarou que o médico foi “vítimas de vítimas, que são vítimas de vítimas”. Faltou incluir na formulação a opinião pública, massacrada por uma campanha feroz para reformar a idade penal.

Se não houver provas de que os moleques de Paes esfaquearam Jaime Gold, outros serão providenciados. Se este crime ficar sem solução, outro servirá. Se não for no Rio, será no Pauí.

E segue o baile.