O tratamento de viciados em crack que dá certo, mas Doria despreza. Por Karol Pinheiro

Atualizado em 3 de junho de 2017 às 8:27
A ONG É De Lei, que presta assistência a dependentes químicos

A repórter Karol Pinheiro, da Revista da CAASP, conheceu uma ONG de São Paulo que trata os dependentes químicos, principalmente os do crack, sem internação compulsória. Chama-se É de Lei.

É um local voltado para a redução dos danos sociais e à saúde dos usuários. O dependente vai até lá, na Praça da República, e começa a ser atendido. Logo na entrada, uma placa informa Guerra às Drogas é guerra aos Pobres. Há vários casos de recuperação.

“O que mais me chamou a atenção foi o esforço da ONG de ressocialização dessas pessoas e fazer isso conforme a disposição delas. Quando visitei o local, por exemplo, acontecia uma roda de conversa, mediada por duas pessoas. Eles queriam saber se os dependentes gostariam de visitar uma exposição de fotografia ou assistir a uma peça de teatro. A voz principal era o dos dependentes, não da ONG. A exposição de fotografia ganhou a votação. O teatro, para eles, não parecia um ambiente acolhedor”, disse Karol ao DCM.

Com a repercussão da política do prefeito João Doria, de focar o enfrentamento do problema na internação compulsória, Karol voltou a falar com os dirigentes da ONG. O texto a seguir é de Karol Pinheiro, a fotografias, Ricardo Bastos. Você também pode ler na Revista da Caasp:

Dependente na ONG

“Venha descansar. Tomar um café e bater um papo em um lugar tranquilo”. A frase estampa o panfleto do Centro de Convivência “É de Lei”, organização não-governamental que atua na redução de danos sociais e à saúde de usuários de drogas.

André Contrucci, coordenador de Comunicação da ONG, explica o motivo do slogan: “Para quem está numa situação de rua, que é o caso de boa parte dos usuários de droga, esse tipo de convite é uma coisa muito rara”.

Instalado no quarto andar do Centro Comercial Presidente, na região da Praça da República, em São Paulo, a “É de Lei” recebe por dia 20 pessoas que fazem ou já fizeram uso problemático de algum tipo de droga, na maioria homens negros.

Contrucci conta que o Centro de Convivência tem apelo importante na sociabilidade dos dependentes e na promoção da política de redução de danos. Além do café, há rodas de conversas sobre os mais diversos assuntos, incluindo doenças e uso de drogas.

Os convivas têm ainda a oportunidade de fazer oficinas culturais, assistir a filmes, acessar a internet e participar de visitas a museus e teatros.

Não é só no âmbito social que a “É de Lei” enxerga a realidade do dependente de crack de uma forma diferente. Todo esse acolhimento aos dependentes, gratuito, baseia-se na política de redução de danos. A redução dos riscos é uma estratégia pragmática de saúde pública que objetiva reduzir as consequências à saúde causadas pelo consumo de droga para o usuário, sua família e a sociedade.

A primeira experiência no Brasil nessa linha de que se tem notícia ocorreu em 1990, na cidade de Santos, quando o Instituto de Estudos e Pesquisas em Aids de Santos foi para as ruas distribuir seringas estéreis aos usuários de drogas injetáveis. Desde então, têm sido desenvolvidas ações nestas perspectivas para diferentes drogas e suas diferentes formas de consumo. Inicialmente, as estratégias de redução de danos foram tratadas como incitadoras do consumo de substâncias e, em certos contextos, ainda são vistas dessa forma.

“Às vezes, a pessoa não quer ou não consegue parar de usar a droga, mas ainda assim ela merece ser acompanhada e cuidada”, adverte Contrucci.

E continua: “São pequenas metas construídas junto ao usuário que visam a melhorar sua qualidade de vida e conscientizá-lo. Se ele fuma cinco pedras por dia, podemos propor a ele que fume três, ou então que deixe de fumar durante a semana e fume apenas nos finais de semana. Ou então que ele pare de compartilhar o cachimbo onde fuma a droga, o que já reduz o risco de transmissão de doenças contagiosas. São pequenos passos, mas que são comemorados quando alcançados”.

O método, portanto, elimina a necessidade de internação para livrar o usuário da droga. Quem participa, aprova. É o caso de Carlos Augusto Oliveira, o Carlão, como é mais conhecido. Carlão se intitula militante da luta antimanicomial. Aos 54 anos, ele faz uso regular de maconha, e diz ter experimentado crack uma única vez.  “Sou maconheiro, eu sou legal! Eu sou da luta antimanicomial”, enfatizou mais de uma vez durante a conversa.