O vale tudo da imigração ilegal na Europa

Atualizado em 28 de fevereiro de 2013 às 9:59

Nem a crise econômica detém as pessoas que querem migrar para os países europeus.

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DE GRANADA, ESPANHA.

A cena tranquila se torna tensa rapidamente. Três guardas surgem no enquadramento da câmera de vigilância no posto da fronteira de Melilla, território espanhol no norte da África. Eles tentam desesperadamente fechar os portões da cerca que separa a Espanha do Marrocos. Antes que consigam, um carro lotado rompe a barreira em alta velocidade, destruindo tudo em seu caminho.

Esta é uma das novas táticas usadas pelas máfias para introduzir imigrantes ilegais na Espanha, e leva o nome de “carro kamikaze”. É um novo capítulo neste antigo drama humano, que não recebe a devida atenção da mídia nem foi amenizado pela recessão do sul da Europa.

A imigração ilegal não pode ser abordada na realidade espanhola sem ponderação, pois é bastante peculiar. E de acordo com sua procedência geográfica, os desdobramentos podem ser mais ou menos aceitos socialmente.

Há uma clara distinção entre o imigrante ilegal proveniente da América Latina e aquele de origem africana. Os primeiros, apesar da clandestinidade, sempre gozaram de maior aceitação por parte da sociedade espanhola. O idioma contribui decisivamente para isto. Equatorianos, bolivianos, paraguaios, peruanos, etc., não enfrentam a barreira linguística. Sem mencionar que, no longo período de prosperidade que antecedeu a crise econômica, serviram como mão de obra em ocupações geralmente rejeitadas pelos espanhóis.

A imigração ilegal pelo Aeroporto de Barajas, em Madri, que era a via dos latino-americanos, já não vale mais a pena. A crise, particularmente intensa no setor imobiliário, deixou muitos trabalhadores sem emprego.

Ao mesmo tempo, a perspectiva de um contexto sócio-econômico mais favorável em seus países de origem atraiu de volta muitos desses imigrantes. Enquanto os espanhóis, por seu turno, começaram também a olhar com bons olhos empregos que antes rejeitavam.

Por outro lado, não se pode dizer que o quadro seja o mesmo para o fluxo migratório proveniente da África. Nem em relação à imersão social deste imigrante, nem em relação à sua vulnerabilidade à crise.

Em primeiro lugar, marroquinos, argelinos, senegaleses, entre outros, enfrentam uma verdadeira odisséia para chegar ao território europeu. Um autêntico jogo de xadrez com a morte.

Na verdade, se o imigrante latino tivesse que lidar com o mesmo nível de brutalidade e risco na sua própria trajetória, o fluxo que agora dá sinais de franco declínio sequer teria começado.

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Os africanos atravessavam o mar aberto em frágeis embarcações em direção às Ilhas Canárias ou à costa espanhola no Mediterrâneo. Muitas vezes depois de percorrer milhares de quilômetros desde seus países de origem. Os relatos dessa odisséia intermediada por máfias, e ainda em contínuo fluxo, a despeito da crise, são aterradores.

Ao longo desta travessia os “passageiros” permanecem amarrados, para favorecer a estabilidade da embarcação no mar quase sempre revolto. Não raras vezes a viagem é feita sem água ou comida, e em muitos casos, alguns acabam caindo do barco e se perdendo no meio do Oceano na disputa por espaço. Quando ocorre um naufrágio, quase sempre ninguém escapa.

Por outro lado, tão apavorante quanto naufragar é ficar à deriva no Atlântico por uma mudança de rumo provocada por uma tormenta. Já que, ao navegar sem qualquer aparelhagem de orientação, não é difícil errar o alvo quando se trata de um arquipélago no meio do Oceano. Ou mesmo pensar estar navegando para as Canárias, quando na verdade o rumo terá se modificado em direção à Argentina.

Outras táticas de invasão ao território espanhol incluíram, no passado, o assalto massivo à cerca que divide a Espanha do Marrocos, em Melilla. E modalidades recentes como a do “carro kamikaze” ou do “imigrante pára-choque”, quando este vai encaixado na carroceria de um automóvel, mostram que ainda não há limites para a criatividade das máfias.

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Rota das imigrações ilegais na Europa.

Finalmente, quando conseguem alcançar o território espanhol, ou quando são salvos pela guarda costeira (no caso da viagem marítima),conquistam o sonho de permanecer na Europa: não há acordo de extradição entre a Espanha e muitos dos países dos quais vêm esses imigrantes.

A partir daí inicia-se o longo, difícil e quase nunca bem sucedido processo de acomodação social – que nada tem em comum com aquele enfrentado pelo imigrante latino-americano. É nesse momento que se faz notar o profundo abismo cultural que separa o imigrante africano do cidadão europeu.

Este fluxo migratório continua a atingir a Europa, apesar de seu ocaso econômico. São as invasões bárbaras contemporâneas, imunes às oscilações financeiras. Pois enquanto o revés do cotidiano para o espanhol se expressa por meio de taxas de desemprego, para os africanos a morte é o limite.