Obrigado por tanta coisa boa, Belchior (1946 – 2017). Por Paulo Nogueira

Atualizado em 30 de abril de 2017 às 17:01

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Este texto foi publicado em 10 de abril de 2014

E então leio que artistas fizeram uma homenagem a Belchior, o gênio perdido da música brasileira.

Fico estranhamente tocado, ou não estranhamente. Belchior foi o último ídolo que eu tive na música. Eu era um adolescente quando Elis consagrou músicas de Belchior como Velha Roupa Colorida e Como Nossos Pais.

Eu simplesmente amava Belchior, com sua voz anasalada e melancólica, suas melodias tristes embaladas em letras longas e poéticas.

Achava que Belchior ia durar muito, fazer muitas coisas, mas ele foi minguando, e minguando, como se uma dose excepcional de talento e inovação tivesse se comprimido em um ou dois discos apenas. (Mas que discos, Deus.)

Eu próprio acabaria por abandoná-lo, não totalmente, é verdade. Não mudo de estação quando, o que é raro, toca Belchior no rádio.

E quando apanho o violão sempre existe a possibilidade de eu tocar alguma coisa de Belchior, como Todo Sujo de Batom, minha predileta. (Sempre me vi no “cara tão sentimental” da música.)

A homenagem a Belchior, idealizada pelo jornalista Jorge Wagner, está disponível na internet, e então fico ouvindo as canções.

Gosto muito da versão de Todo Sujo de Batom, com guitarra pesada, meio punk, da banda The Baggios. Uma interpretação original, mas que ao mesmo tempo preservou a alma da pequena obra prima de Belchior.

Mas é em Paralelas que meu coração dispara.

Porque nela me encontro com minha mãe. Mamãe gostava que eu tocasse e cantasse para ela. Acho que foi minha única fã como músico, a única pessoa que se interessava genuinamente por me ouvir. Ah, os ouvidos generosos das mães.

Algumas de minhas melhores lembranças de mamãe estão ligadas às músicas que cantávamos juntos.

Mesmo em Londres, quando mamãe já estava em seus últimos dias, com enormes dificuldades em falar ao telefone, eu cantava para ela a 10 mil km de distância, mas por algum milagre no mesmo espaço naqueles momentos que duravam as músicas.

Paralelas era a favorita de mamãe. Sua passagem preferida era a que dizia: “No Corcovado quem abre os braços sou eu.” É, de fato, uma passagem linda, lírica, um instante de absoluta inspiração de Belchior.

Numa pergunta que fiz numa entrevista com Paul McCartney em Londres, abri com o seguinte introito: “Primeiro de tudo, muito obrigado por tantas coisas boas que você me trouxe.”

(Depois perguntei qual música sua ele gostaria que John cantasse, e ele respondeu Maybe I’m Amazed.)

Se um dia eu entrevistar Belchior, vou abrir com a mesma frase. Um agradecimento. Ele preencheu meu mundo jovem com um punhado de canções que me fizeram refletir, rir, chorar.

E principalmente ajudou numa conexão que me é tão cara, com minha mãe, a quem neste momento eu pediria colo caso ela estivesse por perto.