Os interesses por trás do plano de Bolsonaro de manter as cadeias superlotadas. Por Sacramento

Atualizado em 1 de maio de 2016 às 11:27
Jair e Eduardo Bolsonaro
Jair e Eduardo Bolsonaro

 

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) faz jus ao sobrenome e quer acabar com um projeto criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que ajuda a conter a superlotação carcerária e a impedir prisões desnecessárias.

Ele é autor do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 317/16, que acaba com as audiências de custódia, implantadas no ano passado pelo CNJ para garantir ao detidos em flagrante ou por cumprimento de mandado uma audiência com juiz no prazo máximo de 24 horas.

Antes da medida, um suspeito de delito poderia passar meses preso sem ter contato com o júri.

As audiências podem evitar que autores de crimes leves como furtos de pequeno valor caiam no sistema prisional, onde estariam expostos a violência, condições degradantes e a uma ciranda de extorsão promovida por organizações criminosas que atuam nos presídios.

Um exemplo de como as audiências de custódia são necessárias foi a prisão de Vinícius Romão, em 2014, no Rio de Janeiro. Confundido com um assaltante, ele ficou preso por 16 dias. Só não ficou mais tempo por causa da mobilização de amigos e da fama relativa obtida ao atuar em uma novela da Globo.

Se ele fosse encaminhado à presença de um juiz, de um promotor e de um defensor público imediatamente após ser detido pela polícia, o equívoco seria evitado e Romão não passaria pelo trauma de ficar preso sem motivo.

Desde a implantação do projeto, em fevereiro de 2015, até novembro do mesmo ano, mais de 28 mil presos em flagrante passaram pelas audiências de custódia. Desses, 13.900 foram beneficiados com liberdade provisória ou relaxamento do flagrante.

Não é à toa que a organização Human Rights Watch considera o projeto fundamental no combate a violações dos direitos humanos no país com a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600 mil detentos.

O Bolsonaro mirim quer fazer tudo voltar a ser como antes, quando inocentes como Romão ou alcoólatras que furtavam cachaça em supermercado passavam meses, ou até anos encarcerados sem julgamento.

A argumentação que ele usa para propor a anulação da resolução do CNJ é cheia de rodeios e aborda os aspectos jurídicos e administrativos da medida.

“A resolução atribui à Secretaria de Administração Penitenciária ou à Secretaria de Segurança Pública a responsabilidade pelo deslocamento da pessoa presa ao local da audiência de custódia. Ora, em um ato normativo, o CNJ atribui responsabilidades a órgãos do Poder Executivo com os quais não tem qualquer vinculação administrativa?”, questiona.

Em outro trecho da justificativa, ele coloca as autoridades policiais no papel de vítimas do CNJ, ao afirmar que as audiências de custódia “agravaram tal sensação ao estabelecer uma inversão de valores e papéis em que os investigados passaram a ser, prioritariamente, os agentes policiais responsáveis pelas prisões, e os criminosos de fato foram travestidos de vítimas em potencial, independente da natureza ou gravidade da infração penal praticada”.

Engana-se, porém, quem pensa que o PDC 317/16 é mimimi fascista para agradar ao eleitorado imbecil.

Por trás da chamada bancada da bala, da qual o Bolsonaro mais novo faz parte, podem estar interesses das empresas que gerenciam as cerca de 30 unidades prisionais no país.

Uma delas, inaugurada há três anos em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi construída pela iniciativa privada, em regime de concessão.

A primeira prisão totalmente particular do país foi tema de uma reportagem da Agência Pública, que destaca em um dos trechos o aspecto mais perigoso da privatização dos presídios: “uma das cláusula do contrato da PPP de Neves estabelece como uma das obrigações do poder público a garantia de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”.

Para esse nicho de mercado, presídio bom é presídio cheio.

Não é preciso ser especialista em segurança pública para constatar que as audiências de custódia prejudicam o negócio das prisões privadas, pois só no ano passado 13 mil pessoas ficaram de fora do sistema carcerário graças à resolução do CNJ.

Talvez seja por isso que a Umanizzare Gestão Prisional, empresa que administra oito presídios em parceria com governos estaduais e tem projetos de construir outros dois, doou 750 mil reais a três candidatos a deputado federal nas últimas eleições, todos da mesma família.

Silas Câmara, na época no PSD do Amazonas é o patriarca e votou a favor da PEC 171/93, pela redução da maioridade penal. Ele recebeu 200 mil reais da Umanizzare, 50 mil a mais que sua filha Gabriela Ramos Câmara (PTC-AC), que não se elegeu.

A maior doação ficou para a esposa de Silas, Antônia Lúcia, que levou 400 mil mas não conseguiu a reeleição. Na época ela estava no PSC, mesmo partido de Eduardo Bolsonaro.