Paris depois dos atentados. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 5 de janeiro de 2016 às 13:58
Place de La Republique, repleta de flores e mensagens
Place de La Republique, repleta de flores e mensagens

Estive na França recentemente, para as festas de fim de ano. Ao chegar em Orly, o aeroporto de Paris, imaginei que a segurança estaria redobrada e tive até mesmo receio de ser interrogada ou algo do tipo. Mas, não: tudo continuava calmo e tranquilo, como de costume, exceto pelo número um pouco elevado de policiais fardados que perambulavam pelo aeroporto.

Em Paris, o jornal Direct Matin – distribuído gratuitamente nas estações de metrô – anunciava, na manchete de capa: Segurança reforçada para as festas – das estações aos aeroportos, dos locais de culto ao comércio, as autoridades estarão a postos para vigiar e assegurar as férias.

De fato, com exceção desse pormenor (mais policiais na rua), a vida seguia normalmente. Paris estava plena de turistas das mais diversas nacionalidades, todos os museus e comércio funcionando normalmente, como sempre.

Em Rennes, quando fiz o check-in no hotel, o funcionário me pediu para tirar uma cópia do meu passaporte e que eu preenchesse um formulário. Desculpou-se, dizendo que andavam um pouco desconfiados desde o 13 de novembro.

Conversei com pessoas em Saint-Malo, Rennes, Rouen e Paris. Um rapaz que estuda na escola de polícia há alguns meses, em Saint-Malo, mostrou-se ansioso para terminar o curso e atuar como policial em Paris. Demonstrou pesar pelo atentado, claro, mas também solicitude em servir o país.

Um outro rapaz, em Rennes, disse que o seu cotidiano, e dos amigos e familiares, permanece o mesmo. “Sabemos que atentados provavelmente ainda irão ocorrer, mas não podemos deixar de viver por causa do medo. Pelo contrário: mostramos que essas coisas não nos afetam, e continuamos a viver, sair, festejar.” Ele também acredita que, com os atentados, a imagem da polícia francesa melhorou para os cidadãos. “Antes, considerávamos os policiais uns intrusos. Mas agora, nos sentimos mais seguros na presença deles.” Comentou, ainda, sobre o Estado Islâmico: “eles querem passar a impressão de que todos os muçulmanos são terroristas, querem nos dividir. Mas sabemos que isso não é verdade. Tenho muitos amigos muçulmanos que deploram o que aconteceu em Paris”.

Realmente, na noite de Natal, na frente da igreja de Saint-Léger, em Lens, cerca de dez muçulmanos protegeram simbolicamente a missa da meia-noite, acolhendo os fiéis, num forte gesto de paz e fraternidade.

Conversei, ainda, com um policial que trabalha no aeroporto Charles de Gaulle. Apesar de não trabalhar diretamente com o terrorismo, e sim com o controle de imigração, ele destacou que todos os policiais estão em estado de urgência – mais vigilantes e atentos. Alguns protocolos policias também foram alterados, como os processos de busca e apreensão, que se tornaram mais maleáveis. Perguntado se tinha medo, o policial me respondeu que não. “Nós não temos medo, pois é o que os terroristas querem. Se sentirmos medo, significa que eles venceram”.

Uma moça da Bretanha comentou sobre o fato inusitado de cada vez mais jovens europeus, nem sempre de origem muçulmana, serem atraídos pelo Estado Islâmico e fugirem de suas famílias em busca das promessas de seus instigadores. Muitos, decepcionados, tentam depois voltar à Europa, em tentativas infrutíferas.

Um professor de matemática de Rouen me contou que tem se tornado mais cuidadoso ao ministrar suas aulas, pois antes utilizava as datas de nascimento de Maomé e outros profetas para ensinar a contagem do tempo. Agora, atenta para o que diz, para não ofender os muçulmanos.

Na noite de 31 de dezembro, Paris estava fervilhante. Comprei o último exemplar do ano do Charlie Hebdo. O hebdomadário mantém sua veia irônica e sarcástica, com piadas sobre as resoluções para o ano novo e críticas políticas. Nenhuma menção aos acontecimentos recentes. Apenas, na última página, uma entrevista com um jornalista e editor turco falando sobre o perigo que corre o laicismo na Turquia, com um governo muçulmano no poder.

As festas do réveillon ocorreram, com a segurança reforçada, mas tudo de uma maneira natural. Os turistas e cidadãos franceses ainda puderam aproveitar o transporte público gratuito até o meio-dia do dia primeiro de janeiro em toda a região de Paris e Île-de-France.

Os locais onde sucederam os atentados (Bataclan, o bar La Belle Équipe), bem como a Praça da República, lugar de homenagem às vítimas, permanecem estampados com flores, velas, bandeiras, mensagens de paz e fotos, demonstrando que apesar de seguirem com suas vidas, os franceses não se esqueceram.

A impressão que fiquei – pois já morei na França há alguns anos e presenciei inúmeros casos de preconceito contra árabes, principalmente os que vêm das ex-colônias do norte da África – é que os últimos atentados serviram, ao menos, para unir o povo francês, incluindo os de origem islâmica: todos se sentem como uma nação enfim conectada, e partilham de ideais comuns.