“Peço ao presidente Obama para fazer a coisa certa”: a íntegra do discurso de Assange

Atualizado em 19 de agosto de 2012 às 18:39


Da sacada da embaixada do Equador em Londres, Julian Assange fez um pronunciamento que, mais que tudo, é um manifesto pela liberdade de expressão. Por isso o Diário — uma de cujas crenças fundamentais é a liberdade de expressão — decidiu dá-lo. Assange está no meio de um enrosco diplomático que pode se arrastar por um bom tempo: o governo equatoriano lhe concedeu asilo, mas se Assange deixar o prédio da embaixada será preso pela polícia e despachado para a Suécia. Adicionalmente, no pé deste texto você pode ver um excelente documentário da emissora australiana ABC em que o caso de Assange é tratado com serenidade e profundidade.  (Infelizmente não há  ainda cópia com legenda em português.)

Ao discurso:

Vocês podem me ouvir?
Eu estou aqui porque eu não posso estar aí com vocês hoje. Obrigado por ter vindo. Obrigado por sua determinação e sua generosidade de espírito.
Na noite de quarta-feira, após uma ameaça ter sido enviada a esta embaixada e a polícia ter invadido este edifício, vocês vieram no meio da noite para vigiar e trouxeram os olhos do mundo com vocês.
Dentro da embaixada, depois de escurecer, eu podia ouvir as equipes de policiais dentro do prédio, através da escada de incêndio interna. Mas eu sabia que haveria testemunhas. E isso é por causa de vocês.
Se o Reino Unido não jogou fora a Convenção de Viena na outra noite é porque o mundo estava assistindo. E o mundo estava assistindo porque vocês estavam vigiando.
A próxima vez que alguém lhe disser que é inútil defender esses direitos que nos são caros, lembrem-no de sua vigília no escuro diante da Embaixada do Equador.
E como, pela manhã, o sol apareceu em um mundo diferente, e uma corajosa nação da América Latina tomou uma posição pela justiça.
E, assim, a essas pessoas corajosas: eu agradeço ao presidente Correa pela coragem que mostrou ao me conceder asilo político.
E eu agradeço ao governo e ao ministro das Relações Exteriores Ricardo Patino, que confirmaram a constituição equatoriana e sua noção de direitos universais em sua consideração do meu caso.
E ao povo equatoriano por apoiar e defender esta Constituição.

Na embaixada do Equador em Londres

E eu tenho uma dívida de gratidão para com os funcionários desta embaixada, cujas famílias vivem em Londres e que me mostraram hospitalidade e amabilidade, apesar das ameaças que receberam.
Nesta sexta-feira, haverá uma reunião de emergência dos ministros de Relações Exteriores da América Latina em Washington para resolver esta situação.
Eu sou grato ao povo e aos governos de Argentina, Bolívia, Nicarágua, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, México, Peru, Venezuela, Colômbia e todos o os demais países latino-americanos que defendem o direito de asilo.
Para as pessoas dos Estados Unidos, Reino Unido, Suécia e Austrália, que me apoiaram com força, mesmo quando seus governos não apoiaram. E para aquelas cabeças mais sábias no governo, que ainda estão lutando por justiça. O seu dia vai chegar.
Para a equipe, apoiadores e fontes do Wikileaks, cuja coragem e compromisso e lealdade nâo tem igual.
À minha família e aos meus filhos, aos quais seu pai foi negado. Perdoem-me. Vamos nos reunir em breve.
O Wikileaks está sob ameaça, assim como a liberdade de expressão e a saúde de nossas sociedades. Temos de articular esse movimento que é anterior ao governo dos Estados Unidos da América. Ele vai voltar e reafirmar os valores sobre os quais os EUA foram fundados? Ou será que vai oscilar para fora do precipício, arrastando-nos todos para um mundo perigoso e opressor, em que os jornalistas se calam sob o medo de ser processados ​​e os cidadãos devem sussurrar no escuro?
Eu digo que ele deve voltar.
Peço ao presidente Obama para fazer a coisa certa. Os Estados Unidos devem renunciar à sua caça às bruxas contra o Wikileaks.
Os Estados Unidos devem dissolver sua investigação do FBI. Os Estados Unidos devem prometer que não vão processar nossa equipe ou os nossos adeptos.
Os Estados Unidos devem jurar para o mundo que não vão perseguir os jornalistas por um foco de luz sobre os crimes secretos dos poderosos.
Não deve haver nenhuma conversa tola sobre processar quaisquer organizações de mídia, seja o Wikileaks ou o New York Times.
A guerra do governo dos EUA sobre denunciantes deve acabar.
Thomas Drake e William Binney e John Kirakou e os outros denunciantes heróicos dos EUA devem – devem – ser perdoados e terem recompensadas as dificuldades que têm suportado como defensores dos registros públicos.

 E o soldado do Exército, que permanece em uma prisão militar em Fort Leavenworth, Kansas, que a ONU descobriu ter suportado meses de detenção torturante em Quantico, Virginia, e que ainda tem – depois de dois anos de prisão – de ser julgado, deve ser liberado.
E se Bradley Manning fez mesmo as coisas de que é acusado, ele é um herói, um exemplo para todos nós e um dos maiores prisioneiros políticos do mundo.
Bradley Manning deve ser liberado.
Na quarta-feira, Bradley Manning passou o 815º dia de detenção sem julgamento. O máximo legal é de 120 dias.
Na quinta-feira, meu amigo, Nabeel Rajab, foi condenado a três anos por um tuíte.
Na sexta-feira, uma banda russa foi condenado a dois anos de prisão por uma performance política.
Há unidade na opressão.
Deve haver unidade absoluta e determinação na resposta.