Pôquer, charutos cubanos, contratos milionários e grampos: a louca cavalgada de Elsinho Mouco, marqueteiro de Temer

Atualizado em 21 de novembro de 2017 às 6:18
Elsinho Mouco

O melhor perfil de Elsinho Mouco, o marqueteiro de Temer, foi escrito por Allan de Abreu no Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP):

A vida do publicitário rio-pretense Elsinho Mouco, 58 anos, sempre foi uma gangorra, repleta de altos e baixos. Empresário bem-sucedido nos anos 1980, quebrou na década seguinte, deixando dívidas que beiram R$ 500 mil e o atormentam até hoje. Reinventou-se como publicitário, uniu-se aos caciques do PMDB e viveu o auge em 2016, quando tornou-se o marqueteiro oficial do amigo Michel Temer, recém-empossado presidente da República. Mas, na última semana, voltou ao seu inferno astral, acusado de receber dinheiro de propina da empresa JBS, como os R$ 300 mil em espécie, que Joesley Batista, um dos donos da empresa, disse ter entregado em mãos para o publicitário no ano passado, conforme o Diário revelou dia 20.

Elson Mouco Júnior nasceu na Capital em abril de 1959, mas cresceu em Rio Preto. É o mais velho de quatro irmãos, todos homens, filhos do comerciante Elson Mouco e de Ziza, dona de casa falecida há dois anos. Os Mouco eram uma típica família de classe média-alta. Elsinho, como ficou conhecido, estudou em bons colégios – primeiro o São José, depois o Anglo. São-paulino fanático, jogava futebol na rua com os amigos. “Nunca fui craque. Depois, tentei o tênis”, diz. Cursou direito, mas não chegou a exercer a advocacia. Seguiu os passos do pai e tornou-se comerciante. O ano de 1983 foi especial para ele. Em janeiro, casou-se com Maria Lucia Cabrera, prima do pecuarista Antonio Cabrera, que viria a ser ministro da Agricultura no governo Collor.

Em novembro, inaugurou, em sociedade com o pai Elson, sua própria grife de roupas, a Bonaparte, em plena avenida Alberto Andaló, ponto comercial mais nobre de Rio Preto – no fim da década, inauguraria outra loja no Riopreto Shopping. Do casamento, vieram duas filhas. Elsinho frequentava a alta sociedade rio-pretense e morava no condomínio de luxo Débora Cristina. Carismático e inteligente, gostava de reunir os amigos em longas sessões de pôquer, sua especialidade. Fumante, não é de dispensar um charuto, especialmente os cubanos. Mas chegou a década de 1990 e com ela tempos difíceis para a família. Em dezembro de 1993, Alfredo, irmão de Elsinho, morreu vítima de aids.

“A família sofreu muito, o Alfredo era uma pessoa muito querida. As circunstâncias da sua doença, hoje sem mistificação, nunca alterou o nosso amor por ele. Uma pessoa de caráter e muito criativo. Foi embora cedo demais, mas deixou uma lição de vida. Além de ter despertado em mim a vocação pelo marketing.” Paralelamente ao drama familiar, dívidas tributárias passaram a se acumular na Bonaparte. Em 1994, a Procuradoria da Fazenda do Estado ingressou com a primeira de várias ações de execução fiscal contra a Bonaparte e seus donos por dívidas de ICMS. Um oficial de Justiça foi até a loja e confiscou 14 ternos e 16 camisas de tricoline. As roupas foram a leilão, mas não houve interessados. O pai, ficou como depositário do material.

Atolada em dívidas, a Bonaparte fechou suas duas lojas. Em 1996, o shopping ingressou com ação judicial para cobrar aluguéis atrasados dos Mouco, pai e filho. Elsinho, a mulher e o pai mudaram-se para São Paulo em 1997. Como a Justiça não conseguia mais citá-los, o juiz Júlio Cesar Afonso Cuginotti chegou a decretar a prisão civil do pai de Elsinho, mas a decisão acabou revogada dias depois, quando o advogado dos Mouco informou o endereço da família na Capital. Em 2001, a Justiça encontrou um outro bem penhorável da família: um apartamento de 50 metros quadrados e duas vagas na garagem na rua Saldanha Marinho, Centro de Rio Preto, em nome de Elsinho e da mulher.

O imóvel foi avaliado pela Justiça em R$ 200 mil, valor da época. Mas o processo paralisou novamente porque a Justiça não conseguia localizar Elson e Elsinho na Capital. Em 2006, ocorreu uma cena inusitada: a oficial de Justiça foi até o apartamento e se deparou com um morador sem relação com os Mouco, que afirmou ser dono do imóvel. Apresentou a escritura em seu nome e disse ter arrematado o apartamento em um leilão, decorrente de ação judicial de cobrança de taxas do condomínio movida pelos donos dos outros apartamentos do edifício. O problema é que o shopping havia sugerido à Justiça a penhora desse mesmo imóvel para quitar o calote. A ação se arrastou na 5ª Vara Cível de Rio Preto por exatos 20 anos, até 2016, quando o shopping desistiu de reaver o dinheiro e o caso foi arquivado.

Em valor atualizado, o passivo chega a R$ 377 mil. Procurado na última semana, o shopping não se manifestou. A Bonaparte foi formalmente extinta na Receita Federal em 2008, mesmo ano em que Elsinho se divorciou da mulher – ele não se casaria novamente. No caso da dívida com o Estado, parte foi paga em 2007, mas um residual segue sendo cobrada na 1ª Vara da Fazenda. A Bonaparte também deve à Prefeitura por licenças de funcionamento não pagas. O valor atual da dívida ativa da empresa é de R$ 41,5 mil. Em relação a essas dívidas, Elsinho limitou-se a afirmar que estão sub judice e serão regularizadas “quando definido o valor devido no processo. Se houver”.

(…)

Se Elsinho não tem contrato com o governo federal, o seu irmão Gustavo Mouco, um dos donos da agência de publicidade Calia, criada em 2001, tem sido muito bem pago pelo governo federal. A empresa, de São Paulo, venceu licitação para cuidar da publicidade do Ministério da Saúde no fim de 2010, ainda na gestão Lula, mas o contrato formal foi assinado no dia 3 de janeiro de 2011, dois dias após a posse de Temer na vice-presidência. Os repasses de verbas à empresa do irmão de Elsinho cresceram ano após ano, de acordo com o Portal da Transparência do governo federal: de R$ 12,8 milhões em 2011, passaram a R$ 53 milhões no último ano.

Com o patrãozinho

Foi nessa época, com Temer já na presidência, que a Calia foi contratada para cuidar do marketing do Ministério dos Esportes – a empresa ficou em terceiro na disputa em que só as duas primeiras seriam vencedoras, mas a primeira colocada desistiu do contrato. Até agora, a empresa já recebeu R$ 230,6 milhões do governo federal. José Augusto Nigro, vice-presidente executivo da Calia e sócio de Gustavo, nega que haja relação entre a prosperidade da empresa no governo Temer e a amizade entre o presidente e Elsinho. “É pela qualidade do nosso trabalho. Não é fácil vencer uma licitação nessa área”, diz.

Na última semana Elsinho Mouco foi arrastado para o olho do furacão político provocado pelas delações da JBS. Joesley Batista, um dos donos da empresa, entregou à Procuradoria-Geral da República uma planilha com a inscrição “Julio Bono/Temer” ao lado da indicação de um pagamento R$ 2 milhões para a Pública em 2010. Julio Bono era um coronel aposentado da PM de São Paulo que por duas décadas foi o principal auxiliar de Temer. Ele morreu afogado em novembro de 2010, em Pernambuco. O problema é que não há nos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pagamentos à Pública nas campanhas de Temer em 2010, o que pode configurar caixa dois.

Constam na planilha três pagamentos que somam R$ 3 milhões naquele ano. O primeiro foi em 10 de agosto para o “comitê financeiro DF nacional para pres. da República-PMDB”. Consta no TSE uma doação desse valor ao PMDB. Treze dias mais tarde, houve o segundo pagamento, de R$ 1 milhão, desta vez para a empresa Pública. O terceiro e último pagamento, no mesmo valor, teria ocorrido em 22 de setembro. Em depoimento gravado, Joesley deu detalhes desses pagamentos. O empresário disse que “atendendo a um primeiro pedido de Temer”, ele “concordou em pagar R$ 3 milhões em propinas, sendo R$ 1 milhão através de doação oficial e R$ 2 milhões” para a Pública.

Em nota, Elsinho disse que em 2010 foi contratado pela família Batista para cuidar da campanha de José Batista Júnior, irmão mais velho de Joesley, ao governo de Goiás. Junior Friboi, como é conhecido, acabou desistindo da disputa. Em 2016, disse que foi contratado novamente para fazer “monitoramento digital” nas redes sociais para a JBS durante o processo de impeachment de Dilma. O” objetivo era conter a guerrilha digital do PT. Tenho toda a documentação que comprova a realização do trabalho.” Neste ano, diz, ele voltou a ser contatado por Joesley. “Entendi que queria recontratar para combater os efeitos da Carne Fraca o mesmo serviço que havia financiado no ano anterior. Hoje, está claro que sua intenção era produzir provas para tornar sua delação mais ‘atraente’.”