Por que é uma besteira dizer que só o MPL tem black blocs. Por Mauro Donato

Atualizado em 14 de janeiro de 2016 às 11:07

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“Chega dessa conversa de black blocs infiltrados em manifestações do MPL: eles são uma coisa só, eu os vi em ação hoje em meu bairro”, esbravejou o senador tucano Aloysio Nunes no Twitter, ex revolucionário, atual morador do bairro de Higienópolis.

Ainda que por vias tortas, o senador Aloysio Nunes acertou, não existe diferenciação. Porque black bloc não é uma pessoa física, é uma tática.

Veja a foto que ilustra esse artigo. Todos estão mascarados, com escudos e armados de pedaços de pau. Black blocs infiltrados no MPL? Não, moradores de uma ocupação na Vila Soma em Sumaré (SP), prontos para fazer uso da tática de resistir à violência policial no próximo domingo, data em que a reintegração de posse estava agendada mas suspensa ontem pela justiça certamente em decorrência da divulgação da imagem no começo desta semana.

Ainda aproveitando a imagem vamos deixar mais uma coisa clara: o que se vê não são ‘black blocs’ mas ‘um’ black bloc composto por dezenas de indivíduos. Afinal uma pessoa sozinha não pode ser um bloco, certo? Vamos em frente.

Portanto o que o candidato a vice de Aécio e demais espectadores de protestos pela TV devem se perguntar é porque um tipo de movimento social necessita dessa tática e outras não. Por que em uma manifestação chega-se tranquilamente em clima de micareta e em outra existe uma barreira que irá lhe revistar, ameaçar, fazer comentários jocosos, racistas, preconceituosos e depois ordena que você vá lá pelo outro lado, uma voltinha de um quilometro a mais.

É por isso que eles são considerados a tropa de choque dos manifestantes. Sim aqui é no plural mesmo pois em uma manifestação pode haver mais de um bloco, dispostos em locais de maior vulnerabilidade como uma linha na frente e outra atrás, por exemplo.

“Ah, mas são mascarados…” Na função de resistir à polícia, você iria de cara limpa? Na teoria e no conforto do sofá você dirá que sim mas saiba que nem a PM faz isso. Ela usa tocas ninja também ou então arranca a identificação da farda. Por que?

“Para que o vandalismo? Isso que não entendo…” A ‘quebradeira’ depois? Deixe-me explicar pois pela TV a cronologia e responsabilidade dos fatos ficam a bel prazer do editor. Há uma particularidade curiosa na atuação da polícia: ela joga bombas para ‘dispersar’ os manifestantes mas depois de dispersos ela sai correndo atrás… então não é para dispersar, é para brincar de pega-pega torrando hectolitros de gasolina em centenas de viaturas, motos, blindados de R$ 5 milhões cada, atirando munição nem um pouco barata (mas dinheiro para subsidiar a passagem não tem). E quando ela pega grupos menores ou mesmo pessoas sozinhas em ruas escuras e mais afastadas do local onde a manifestação começou não é para acariciar. Por isso as barricadas.

Claro que alguns grupos se identificam mais com a tática e a desobediência civil. Os anarquistas por exemplo (e o que seria da resistência italiana durante a Segunda Guerra se não fossem os anarquistas?) mas não é uma exclusividade. E já que falamos em Italia, é muito comum lermos comentários de que em outros países as manifestações são mais civilizadas, mais organizadas, mais limpas e perfumadas.

Na abertura da Expo de Milão no ano passado a cidade ficou de pernas pro ar e por pouco não se repetiu a grande batalha de Genova em 2001. Se preferir um referencial mais recente, procure pelas manifestações contra a construção de um trem de alta velocidade no norte da Italia em 2011 ou qualquer outro protesto de envergadura na França ou Alemanha nos últimos tempos. A tática black bloc é extremamente comum em grandes manifestações mundo afora, sobretudo quando acontecem reuniões do tipo cúpula do G20 e outros fóruns de cunho capitalista.

É por isso que se trata de um equívoco dizer que só o Movimento Passe Livre tem black blocs. Os adeptos há muito tempo defendem as pautas de educação, por exemplo. Já atuaram várias vezes em protestos de professores (outra categoria frequentemente atacada pela polícia) e estavam a postos para defender os secundaristas nos últimos meses, se necessário fosse.

Sei que será totalmente ineficaz mas tenho que alertar: não estou defendendo que se saia quebrando tudo por aí. O que é preciso entender é o porque do fenômeno acontecer, o porque da necessidade dessa tropa. Por que alguns movimentos sociais são atacados e criminalizados? Por que a polícia bate em alguns e faz selfies com outros?

Há muita especulação, satanização e simplismo acerca do tema portanto recomendo a leitura de “Black Blocs” de Francis Dupuis-Déri, professor de Ciências Públicas no Canadá e estudioso do fenômeno há mais de 15 anos.

O que não da é para gostar de punks apenas quando se ouve música e depois condená-los na manifestação.