Por que os dinamarqueses são o povo mais feliz do mundo

Atualizado em 4 de agosto de 2014 às 1:04

Na Dinamarca você não é melhor do que ninguém por causa de sua conta bancária.

NÃO SEI O GRAU DE precisão, de acurácia dos testes que supostamente determinam as taxas de felicidade dos países. Mesmo assim, com todo o ceticismo que se possa ter sobre o tema: este vídeo impressiona. Especificamente: o que ele mostra sobre como vive um lixeiro na Dinamarca.

Casa boa, inglês bom, vida boa. Modestamente, ele diz que de zero a dez, na escala da felicidade, fica com oito.

Não olha o repórter de baixo para cima, e tampouco é arrogante ou arredio. É um cidadão completamente integrado à sociedade. Não foi barrado na vontade de treinar o time feminino de handebol da escola de suas filhas  por ser lixeiro. Recebe em sua jornada bom dia, café e tudo aquilo que faz parte da rotina de profissionais de ramos nobres.

Nos países nórdicos, como a Suécia e a Dinamarca, vigora uma cultura igualitária. Como diz o cientista social no vídeo, ninguém é melhor que ninguém, a despeito da fortuna de cada um, ou da inteligência, ou do que for.

Não são países desenvolvidos apenas socialmente.  Um estudo do Fórum Econômico Mundial mostrou mais uma vez  um notável domínio nórdico na lista dos países mais avançados em tecnologia de informação.  O primeiro e o terceiro lugares são a Suécia e a Dinamarca. Entre os países emergentes, a China e a Índia conquistaram posições em relação ao ano anterior. O Brasil ficou parado na 61.a colocação. É uma lista que se deve olhar porque  revela o capital humano das nações.

Não estamos bem, mas melhoramos.

Vou à Escandinávia sempre que posso. No final de 2012, andei de bicicleta em Copenhague, vi em Oslo uma sessão do julgamento de Breivik e errei por Reiquijavique. A Escandinávia é uma quase utopia, e o mundo vai se dando conta disso agora. Raridade das raridades, grandes corporações e milionários pagam a justa cota de impostos, e aí repousa a base de uma sociedade em que a educação pública é admirável, e a saúde pública também — na qual, enfim, verdadeiramente impera o interesse público.

Vocês acompanharam os erros históricos da mídia brasileira nos últimos dias. Na Dinamarca, onde a fiscalização da mídia é feita por um órgão independente tanto do governo quanto das corporações jornalísticas, as retratações têm que ser feitas na primeira página. E multas podem ser elevadas para que o jornalismo seja menos irresponsável.

O jeito de ser nórdico deve muito a um pensador extraordinário, o sueco Gunnar Myrdal (1898-1987).  Nobel de Economia em 1974, Myrdal nos anos 40 teve uma influência comparável à de John Maynard Keynes na defesa de um capitalismo no qual o mercado não fosse visto como um deus que corrigiria todos os problemas automaticamente e, portanto, estava acima do bem e do mal. Keynes ganhou projeção maior não por ser melhor que Myrdal, mas por causa da língua inglesa.  Num momento em que o capitalismo em crise parecia confirmar a profecia de Marx de um mundo comunista, Myrdal, como Keynes, ofereceu uma saída dentro do próprio modelo capitalista.

Myrdal defendeu epicamente que o Estado desse aos cidadãos educação e saúde de alta qualidade.  Suas idéias triunfaram nos países nórdicos e explicam a vida do lixeiro do vídeo e a dominância na lista global na tecnologia da informação.

Há um índice engenhoso que compara o custo de vida nos países. Você vê o preço de um sanduíche do McDonald’s em diversos locais e estabelece, a partir disso, comparações.

Poderia ser criada um dia uma métrica de felicidade que se baseasse nos lixeiros do mundo. Você entrevista um número representativo de lixeiros no mundo e depois mede os resultados. Um país com lixeiros como este dinamarquês do vídeo não tem como não ser feliz.  Mesmo que, como é o caso dos países nórdicos, a temperatura seja fria como um bolchevique e cruel como um nazista e o sol seja remoto como um pai ausente.

Gostaria que os governantes brasileiros olhassem para o lixeiro dinamarquês e dissessem: é assim que deve ser no Brasil.