Quem matou a ativista Gleise Nana?

Atualizado em 10 de novembro de 2014 às 15:17
Escolheu não se calar
Escolheu não se calar

Alguém fala, nas redes sociais, em Gleise Nana.

Mais especificamente, alguém cobra a mídia. Por que não investigam a morte de Gleise Nana?

Fiquei curioso, e fui investigar.

Logo vi que era uma cabra marcada para morrer, para usar o grande título do documentário de Eduardo Coutinho.

Por comparação, Santiago Andrade não estava marcado para morrer. Foi apanhado por uma fatalidade.

Mas Gleise estava.

E morreu aos 33 anos, vítima das queimaduras de um incêndio suspeito em seu apartamento no Rio.

Era diretora de teatro, poeta e ativista. Viveu e morreu por um Brasil menos socialmente injusto.

Sua filha pequena, que estava com ela quando o fogo tomou o apartamento, sobreviveu ao incêndio.

Visitar o perfil de Gleise  no Facebook, como fiz, é uma experiência fascinante e entristecedora.

Como não a protegeram? Por que depois sua morte não ganhou cobertura nacional? Por que a mídia não investigou nada?

2013 foi um ano intenso na vida curta de Gleise, como você pode notar no Facebook.

Ela foi às ruas em junho no Rio de Janeiro, nos protestos. Enfrentou tanto gás lacrimogêneo que disse brincando que ficou viciada nele. Extraiu poesia disso.

“Quando respiramos bomba de gás falta o ar como pétalas estranguladas.

O cheiro abafado é o desabafo sufocado, engasgado nas entranhas.

A pele arde e rasga por tudo aquilo que nos massacra e nos devora.”

As coisas ficaram realmente dramáticas para ela no dia 5 de outubro. Foi quando ela leu uma mensagem de um sargento da PM que dizia o seguinte: “Mais uma vagabunda, maconheira e anarquista que apoia a desordem no Rio. Quer falar mal da polícia fala na cara, sua piranha. Na net é mole.”

Disse ela no Facebook: “Foi um choque. Já não bastasse todo o gás de bombas que respirei, todas as corridas fugindo de balas que tive que dar, todas as ameaças de agressão, toda a tensão nos atos … agora o terrorismo pessoal.”

Ela fez sua opção.

“Escolhi não me calar. Uma frase é muito forte em minha mente. ‘Se você cala diante de situações de injustiça, escolhe o lado do opressor’.”

O jornal O Dia deu uma matéria sobre a ameaça, e Gleise pediu a seus amigos que compartilhassem, “por favor!!!”.

Dias depois, o incêndio, e no final de novembro a morte não cantada, não chorada, não investigada – e no entanto tão previsível.

Amigos continuam a deixar mensagens em seu Facebook. Muitas vezes são imagens lindas de flores, e palavras de amor e saudade.

Uma amiga postou uma poesia de Gleise:

“O tempo põe-se tarde,

escurece.

Todavia o latejar apetece

Mas a cotovia não transborda seu cântico.

 

Amo.

E tal andorinha desgarro,

me aventuro,

sigo outros rumos.

 

E somente no fim digo:

Agora durmo.”