Terreno ocupado, passeios de cães e esculturas “incorporadas”: as aventuras de Doria em Campos do Jordão. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 30 de setembro de 2016 às 9:02
Doria em seu elemento, com o cashmere que abandonou na campanha
Doria em seu elemento, com o cashmere que abandonou na campanha

 

Membro orgulhoso dos Costa Doria, uma família brasileira do período colonial cujos membros foram senhores de engenhos, militares e políticos, o candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo em 2016 João Agripino da Costa Doria Júnior é bem conhecido em Campos do Jordão.

Ele tem uma propriedade na região de Descansopolis ao lado de casarões, do spa Gato Gordo, de algumas ruas asfaltadas sinuosas e outras de terra.

A Villa Doria, a mansão do tucano João Doria Jr., possui um heliponto para aterrissar sua aeronave Bell 429 para sete passageiros. São 11 mil metros quadrados no primeiro lote, que se expandiram para pelo menos outros quatro terrenos.

A residência foi declarada com o valor de R$ 1,99 milhão à Justiça Eleitoral, subfaturados como permite a lei eleitoral. Na verdade, pode valer dez vezes isso. Ao todo, a mansão soma 16 mil metros quadrados, de acordo com informação obtida no Fórum de Campos do Jordão. Há um segurança numa portaria blindada e, ao lado, outra residência, que pertence ao caseiro.

No bairro de Capivari fica o Shopping Market Plaza, que também pertence a João Doria Jr. e só abre no período de alta temporada. Ali se encerram grandes eventos organizados por ele, como o tradicional Passeio de Cães.

Doria tem 58 anos e se orgulha de repetir que começou a vida na fábrica de fraldas da família. Foi estagiário numa agência de publicidade e diretor na FAAP e na Rede Bandeirantes. Ao contrário da propaganda eleitoral, militou no setor público. Foi Secretário de Turismo de São Paulo e presidente da Paulistur (1983-1986) no governo Mario Covas, além de ter sido presidente da Embratur no governo José Sarney.

Seu Grupo Doria é composto de seis empresas: LIDE – encontro de líderes empresariais -, Doria Administração de Bens, Doria Internacional, Doria Editora, Doria Eventos e Doria Marketing & Imagem.

A revista Caviar Lifestyle recebeu meio milhão de reais do governo Alckmin num publieditorial e possui uma tiragem declarada de 40 mil exemplares. Na verdade, ele a distribui entre o público que participa de atividades do LIDE e é apreciador de “gastronomia e luxo”.

Doria é uma lenda viva de Campos do Jordão, o que não significa que seja uma unanimidade. Muito pelo contrário. “O João trouxe grandes marcas como a Kia, a Vivo e várias lojas de grife nos eventos do shopping dele. Ele faz encontros em temporadas nos restaurantes e chega até a reunir os amigos da revista Veja”, diz a funcionária de um hotel nas cercanias do Portal da Cidade.

A entrada da Villa Doria, em Campos, com a escultura da mulher Bia
A entrada da Villa Doria, em Campos, com a escultura da mulher Bia

 

“Ele é próximo do prefeito Fred Guidoni, muito amigo do Alckmin. E ele não fez nada pela cidade. A única coisa que lembramos é de uma reforma da calçada, sendo que existem acusações de que a empresa que fez o trabalho tem laços familiares com ele”.

“Cara, aqui o pessoal protege muito o Doria. Não gostam de responder determinadas perguntas e provavelmente não vão te esclarecer muitas dúvidas”, disse um empregado da Secretaria do Turismo.

A estátua e o processo do terreno ocupado

A mansão dele se localiza no caminho para o Horto Florestal, próximo a um cavalo gigante de bronze. Lá há restaurantes de comida italiana, churrascarias e um campo de mini-golfe. Neymar tem uma casa nas redondezas, pertinho da de Celso Russomanno.

Ao chegar à Villa Doria, é possível ver um belo jardim na frente, com uma escultura vermelha diante da viela sanitária que era uma área pública que o candidato incorporou à sua propriedade.

Ela foi moldada pela esposa de João Doria, Bia. A escultura é uma mistura de uma forma humanoide com uma flor. Há outra de Bia Doria atrás da propriedade, numa praça, que foi doada a Campos do Jordão.

A esposa do candidato tem uma rixa histórica com Deuzeni Goldman, mulher de Alberto Goldman. Deuzeni deu uma entrevista à Veja São Paulo segundo a qual Bia “jogou em sua cara” um carro Kia que a amiga ganhara num sorteio do LIDE em 2004. “A verdade é que ela não me deu nada, afinal foi um sorteio. A Bia posa de chique, mas consegue ser bastante sem educação”, acusa Deuzeni.

Mas há outra escultura que é motivo de polêmica.

Ela é assinada pelo baiano Emanoel Alves de Araújo, ex-diretor da Pinacoteca do Estado, atualmente à frente do Museu Afro Brasil, em São Paulo. No final dos anos 90, Doria teria pedido a obra a Emanoel para que ela fosse leiloada em seu shopping no Guarujá. O dinheiro iria para o Fundo Social de Solidariedade do estado.

Um ano depois, Doria organizou uma feijoada em Campos para a abertura da temporada de inverno. Emanoel foi convidado. De acordo com um amigo dele, ouvido pelo DCM, Emanoel tomou um susto ao ver seu trabalho enfeitando a casa do anfitrião. “Ele mal comeu direito”, diz o amigo. “Ficou chocado com o que viu”.

“Ele é um profundo apreciador de arte e tem uma coleção grande de obras. Posso afirmar isso porque vi alguns de seus acervos”, disse Goldman ao DCM. O vice-presidente nacional do PSDB recentemente afirmou que João Doria tem “falta de zelo com a coisa pública” ao mencionar o caso do terreno que ganhou destaque na imprensa.

O terreno que havia sido ocupado por Doria, agora livre para o público
O terreno que havia sido ocupado por Doria, agora livre para o público

O processo sobre a ocupação dessa viela pública de 365 metros quadrados ocupada por Doria foi iniciado em 1997 e se arrastou até ser julgado em 2009.

Quando a reintegração de posse foi pedida, o empresário propôs instalar um gerador para um pronto-socorro local. O equipamento foi comprado por R$ 55 mil (R$ 76 mil em valores atualizados) e instalado em 2012 com um acordo feito pela prefeitura. No último dia 21 de setembro, Doria foi confrontado pelo jornalista César Tralli, da TV Globo, a respeito do caso.

A reintegração de posse foi solicitada em abril, mas estava sendo ignorada por Doria. O prefeito Fred Guidoni, também do PSDB, cumpriu a ordem judicial e uma cerca foi retirada.

Próximo de Franco Montoro, longe de Covas

Doria dividiu o PSDB montado nos favores de seu padrinho Geraldo Alckmin. O Ministério Público Eleitoral de São Paulo pediu à Justiça Eleitoral a cassação de sua candidatura.

A solicitação é do promotor José Carlos Bonilha, baseado nos testemunhos dos tucanos Alberto Goldman e José Aníbal. A briga com o serrista Andrea Matarazzo provocou a saída deste para o PSD de Kassab. Andrea se tornaria vice na chapa de Marta Suplicy.

Há outras ações contra João Doria na Justiça. A empresa Doria Administração de Bens Ltda tem uma execução fiscal por falta de pagamento de IPTU, recebida em 8 de setembro de 2014. A mesma companhia tem uma execução por dívida ativa em 13 de novembro de 2013.

Doria também tem seis condenações na Justiça do Trabalho por não pagar ex-seguranças contratados em regime terceirizado pela empresa Provise, entre 2012 e 2013. Um ex-assessor chamado Luiz Carlos Franco escreveu no Facebook sobre seu relacionamento com ele.

“João Doria Jr. é tão verdadeiro quanto nota de R$ 30 ou como o tingimento de seus cabelos ou o botox que andou aplicando”, detonou em sua postagem. Segundo Franco, o empresário pediu sua demissão na extinta Folha da Tarde e em outros lugares.

O jornalista contou ao DCM que Doria causa discórdia no PSDB desde os anos 80. “Ele era muito próximo do Franco Montoro e até hoje mantém laços de amizade com os filhos dele. Mas Covas não o suportava, embora o João Doria diga que foi amigo dele. Isso provocou um atrito porque o governador Montoro impunha a presença do empresário”, diz.

“Ele costumava fazer negócios sempre em benefício próprio, deixando fornecedores e agências na mão. Até hoje mantém contato com pessoas da Paulistur, gente que também se tornou muito bem-sucedida”. As malhas de cashmere, que ele tenta evitar nesta disputa eleitoral por causa da coxinhice, vêm dessa época.

“Ele diz que foi feito em Campos do Jordão”

“João é um cara que trabalha das 7 da manhã até tarde da noite. É esforçado assim como é na campanha dele pra prefeito em São Paulo. Nisso dá pra acreditar. O caso da viela sanitária já está resolvido. Ele tentou um acordo em 2009, que não foi honrado hoje. É uma área de terra onde acumulava água e poderia provocar até problemas no muro da propriedade dele e dos vizinhos. Fizemos um trabalho de paisagismo e não invadimos local algum”, disse para mim o caseiro que está com Doria há 24 anos.

A viela foi desocupada, mas permanece como parte do jardim de entrada da Villa Doria. “Ele brinca que foi feito pelos pais em Campos do Jordão”, afirma. “Vamos deixar tudo bem cuidado, como um serviço nosso a uma área pública. Afinal de contas, é pecado um homem ter sucesso com seu trabalho? Ou todo político agora tem que ser pobre?”.

O patrimônio de R$ 170 milhões de João Doria é 10 vezes maior que a soma dos rivais Fernando Haddad (PT), Marta Suplicy (PMDB), Andrea Matarazzo (PSD) e Luiza Erundina (PSOL). Com contas offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, ele já apareceu em listas nas reportagens sobre os Panama Papers.

Rico e ocupado João Doria certamente é. Para descansar, ele terá sempre aquele cantinho em Campos do Jordão. O problema é o homem querer descer a serra.

 

No tradicional Passeio de Cães de Campos
No tradicional Passeio de Cães de Campos