Uma eterna lição de antijornalismo: a resenha triunfal da Veja sobre o romance de seu redator-chefe

Atualizado em 28 de abril de 2014 às 12:56
Um veterano desinspirador: Graieb
Um veterano desinspirador: Graieb

Um artigo do jornalista Carlos Graieb, da Veja, dá uma contundente lição de moral em Lula.

Lula criticou o julgamento do Mensalão. Hoje, é amplamente sabido que foi um ato político e não jurídico. Lula disse isso.

Mas, segundo a peculiar lógica de Graieb, Lula teria que elogiar o julgamento do Mensalão.

Graieb. O nome me era familiar. E então lembrei.

Ele entrou para a história da infâmia jornalística ao escrever, na Veja, um panegírico multipáginas de um romance escrito por seu chefe, o então redator-chefe da revista Mario Sabino. O romance se chamava O Dia em que Matei meu Pai.

Foi uma indecência. E um marco no processo de desagregação moral da Veja. Nenhuma publicação civilizada faz resenhas extensas e bajulatórios de chefes de redação, por razões óbvias.

Um trecho de Graieb: “Dois tipos de sedução aguardam o leitor de O Dia em que Matei Meu Pai (Record; 221 páginas; 25,90 reais). Primeiro, a sedução do bom texto literário, à qual ele pode se entregar sem medo. O romance de estréia do jornalista Mario Sabino, editor executivo de VEJA, é daqueles que se devoram rápido, de preferência de uma vez só, porque a história é envolvente e a linguagem, cristalina. Sabino possui atributos fundamentais para um ficcionista, como o poder de criar imagens precisas: em seu texto, ao ser atingido pelas costas um personagem não apenas se curva antes de desabar; ele se curva como se fosse `para amarrar os sapatos´.”

Pausa para rir.

Nas escolas de jornalismo, o episódio poderia ser um exemplo prático, aos jovens estudantes, de coisas que são moralmente inaceitáveis e repulsivas.

Graieb chegou, num arroubo servil, a comparar Sabino a Machado de Assis.

Lembrei disso e fui dar uma pesquisada para reavivar minha memória. Na época, eu pertencia ao Comitê Executivo da Abril.

O Comitê não tinha jurisdição nenhuma sobre a Veja. Roberto Civita monopolizou a Veja até o final de sua ida. O diretor da revista respondia apenas a ele.

Mesmo sem poder nenhum na Veja, o artigo de Graieb sobre o livro de Sabino foi debatido no Comitê. E provocou repulsa.

Fui ver agora, passados alguns anos, o que o mundo real, longe da Veja, de Graieb e de Sabino, falou do prodigioso romance.

No site de compartilhamento de impressões de livros Goodreads, você logo topa com o seguinte depoimento: “Não terminei”.

Em outro site, o Skoob, você lê isso: “Infelizmente o autor foi muito previsível A leitura é rápida e maçante.” Mais um trecho sobre o romance:   “O livro é muito chato, muitas divagações e cenas mal descritas que me deixaram entediada. Quase desisti de ler e não sei que milagre me fez voltar.”

Graieb bateu a carteira do leitor com uma propaganda enganosa e abjeta. Mesmo assim, consegue se comportar como se fosse Catão, como se vê pelo artigo acusatório sobre Lula.

Bonito isso.