“Não houve crime de mando. Tentam se aproveitar politicamente do episódio”, disse delegado do caso Celso Daniel ao DCM

Atualizado em 25 de outubro de 2019 às 11:54
O delegado Marcos Carneiro Lima, do caso Celso Daniel
O delegado Marcos Carneiro Lima, do caso Celso Daniel

 

O delegado Marcos Carneiro Lima, de 59 anos, mineiro de Barra Longa estabelecido em São Paulo, esteve no centro do caso do assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel.

Foi o investigador do Departamento de Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa, DHPP, responsável pelo caso. Daniel foi encontrado numa estrada de terra em Juquitiba. Os irmãos João Francisco e Bruno Daniel afirmam que conversaram com políticos do PT e sustentam a tese de crime político.

O homicídio foi cometido por oito pessoas da quadrilha de Ivan Rodrigues da Silva, o “Monstro”. No carro em que ocorreu o sequestro estava como motorista Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra, que também trabalhou arrecadando verba para o ex-prefeito.

Os assassinos presos na época tinham proximidade com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e facções rivais. Marcos Carneiro Lima é especialista em sequestros. Foi delegado por 26 anos e trabalhou com homicídios e antissequestro. Também passou pela Corregedoria da Polícia Civil, foi diretor do DEMACRO — responsável pelas 38 cidades da Grande São Paulo — e delegado geral no biênio 2011/2012. Atualmente está aposentado.

Marcos admite que a vitória do ex-presidente Lula em 2002 alimentou uma tese de crime feito a mando de outros políticos do PT contra Daniel, como Gilberto de Carvalho e José Dirceu.

“Eu não gosto do Lula e nem tenho simpatia pelo seu partido, mas é nítido que as pessoas tentaram se aproveitar politicamente daquele episódio”. E ele diz que a história mentirosa volta de dois em dois anos, “sempre no período eleitoral”.

Ele lembra que, em 2016, quando teremos eleições para prefeito de São Paulo, a revista Veja estampou que Celso Daniel é o “cadáver na Lava Jato”. “A única relação que pode existir com as investigações do juiz Sergio Moro tem a ver com a corrupção na máfia dos transportes em Santo André. O crime contra o ex-prefeito foi comum”, declara.

O DCM falou com Marcos Carneiro Lima.

DCM – A disputa política projetou o caso Celso Daniel para além dos fatos?

Lima – Acredito que sim e lamento. Uma coisa é a disputa partidária, a outra é querer transformar uma mentira grave em verdade. Integrantes do PT praticaram diversos crimes e estão pagando por isso na Justiça. Agora, querer condenar alguém injustamente por algo que não aconteceu, o crime de mando, é uma injustiça.

Os irmãos de Celso Daniel falam em crime político ligado ao Gilberto de Carvalho e José Dirceu. Por quê?

Eles podem ter as opiniões que quiserem, porque eles não são policiais e nem fazem parte do sistema judiciário. Há questões familiares e pessoais que são de foro íntimo, e não alteram em nada as investigações. Agora, era um fato notório que os irmãos tinham relações estremecidas. Por isso eles empurraram essa tese para a frente.

Questões políticas da região do ABC também pesaram muito neste contexto, incluindo a acusações de corrupção. Dá pra acreditar mesmo que José Dirceu iria pessoalmente ordenar uma morte desta forma? Uma coisa são as investigações sobre propinas em Santo André. Outra história é a questão da morte do Celso Daniel.

O senhor diz publicamente que o crime foi executado a mando de Monstro e não por ordem do motorista Sombra. Se foi um crime comum, aconteceu apenas pelo Mitsubishi importado em que Celso Daniel estava antes de morrer? 

A quadrilha do Monstro começou praticando roubos e sequestros relâmpagos. Eles não tinham nenhuma sofisticação e escolhiam as vítimas, no início das ações criminosas, pelo padrão dos veículos. O foco deles era os carros importados. Depois, passaram para o crime de extorsão mediante sequestro, mantendo as vítimas em cativeiro, enquanto negociavam o resgate.

Celso Daniel foi escolhido por causa de seu carro, depois da frustrada perseguição a uma Dakota na mesma noite de 18 de janeiro. Antes do Celso, uma das vítimas foi a esposa de um diretor do Itaú, que fazia trabalho voluntário perto da favela Pantanal, na divisa entre Americanópolis e Diadema. Esta vítima morava na City Pinheiros, perto da Praça Panamericana, um bairro de alto poder aquisitivo. Outra vítima, um empresário, também era morador da mesma região. Estes dois casos ocorreram no ano de 2000.

Já sabíamos que a quadrilha era da favela e estávamos tentando identificá-los. Fizemos uma operação no daquele ano, mas não conseguimos prender nenhum sequestrador.

Se o crime não foi político, é possível que o PCC seja o responsável? Apesar do Dionísio de Aquino Severo, um dos culpados, ser integrante da rival CRDB (Comando Revolucionário Democrático Brasileiro).

Não há como afirmar a ligação do Monstro com o PCC, mas ela é possível na época. A questão da briga entre o PCC e o CRDB era específica no âmbito do sistema carcerário. A ação criminosa partiu da ideia da quadrilha e não há prova de uma orientação do PCC para uma ação criminosa isolada.

Conforme li em reportagens, nenhum dos envolvidos no crime confirma a versão de crime político, defendida pelo Ministério Público depois de 2003. Confere? Por que você acha eles negam a relação?

Sim, todos eles negaram. Os presos foram categóricos em afirmar que foi um crime comum, mesmo os promotores prometendo aliviar as penas. Houve, inclusive, uma acareação gigante entre os presos e demais autoridades, inclusive políticos como o senador Antônio Carlos Magalhães e o senador Romeu Tuma. Mesmo assim, eles mantiveram o mesmo posicionamento.

Eles negaram, no meu entendimento, por perceberem que seriam usados para fins espúrios, e não se sujeitaram. Sabiam que existia um interesse político na época de fazer associações mentirosas naquele caso.

A eleição de Lula em 2003 e a ascensão de José Dirceu alimentaram a mídia na época?

Alimentaram as teorias falsas sobre o crime. No início das investigações, que foram feitas de forma isenta pela Polícia Civil de São Paulo e pela Polícia Federal, a vitória do Lula não parecia certa. Com a vitória do PT, algum “iluminado” criou esta teoria do crime de mando, de crime político.

Tudo isso foi feito para colar na imagem do “partido de bandidos capazes de tudo, inclusive de matar”. O jogo político pelo poder é sujo e isso fica claro nessa mentira.

Isso tudo aconteceu no começo de 2002. O ex-presidente não sabia ainda quem seria sua equipe para governar. Celso Daniel poderia ter sido futuro ministro da Fazenda. Fica fácil fazer essas ilações.

A imprensa não conversou com a polícia na época e provocou confusão sobre a compreensão do caso?

Na época da apuração do crime, a ação da imprensa foi normal e apontou aspectos positivos da investigação da polícia, feito por jornalistas respeitáveis e conhecedores da questão de segurança pública. Depois, parte da mídia só dava espaço às teorias conspiratórias e surrealistas, vinculando a imagem de que o PT estaria por trás da morte de Celso Daniel.

Depois da eleição de Lula, o Ministério Público do Estado de São Paulo optou por esta tese. Eu não entendo o real motivo, mas evidentemente atingiu o partido A em favor do partido B.

Dionísio de Aquino Severo, um dos organizadores do sequestro do Celso Daniel, disse que tinha muitas informações sobre o “crime político”. Você disse que ele afirmou isso para ganhar tempo do PCC. O partido criminoso queria eliminá-lo?

Sim, eles queriam. Eu prendi o Dionísio em duas oportunidades. Sempre foi um bandido articulado, a ponto de ter um programa de rádio na Baixada Santista. Ele estava fundando uma facção para se contrapor ao PCC, o CRDB, e por isso estava jurado de morte e desesperado para fugir do presídio, de onde foi resgatado de helicóptero.

Numa das prisões, o Dionísio chegou a dizer para mim que iria parar com sequestros. Disse que ia para o Paraná para ir atrás de doleiros. Sabe o caso do Alberto Youssef? Desde aquela época os doleiros já eram famosos naquele estado.

O PCC não teria nada a ganhar com a morte de Celso Daniel. Qualquer crime tem uma motivação, por mais banal que seja, porque a ação cometida deverá satisfazer um objetivo prévio. Isso acontece até mesmo no caso dos psicopatas.

O perito do caso foi morto num suicídio. Uma testemunha e um envolvido no crime morreram por conta do PCC. Um investigador foi morto por bandidos que se passavam pela Polícia Federal. Não há relação entre os crimes? Ou foi apenas coincidência?

O médico legista cometeu suicídio, confirmado pela investigação e pelos exames necroscópicos efetuados pelos seus próprios colegas. Vamos lembrar que o caso Celso Daniel envolveu diversas pessoas, em diferentes níveis, e estas pessoas tinham diversas outras relações, numa escala de progressão aritmética.

O garçom que trabalhava no restaurante em que jantaram Celso e o Sombra, depois de um tempo foi vítima de tentativa de roubo da sua motocicleta. Ele tentou fugir, mas a pessoa que estava na garupa da moto dos ladrões deu um chute na moto que, desgovernada, bateu em um poste, causando sua morte.

A testemunha que presenciou esta cena era um ex-monitor da antiga FEBEM, demitido e jurado de morte por um dos internos. Tempos depois, foi morto por um deles. Qual a ligação deste monitor com Celso Daniel ou o Sombra? Nenhuma.

Conectar todas essas histórias é pura teoria conspiratória, do mesmo padrão de quem acredita no homicídio do Getúlio Vargas. A imprensa relacionou as mortes com viés de possibilidade, mas sem qualquer amparo na racionalidade.

O investigador do DENARC neste enredo surrealista foi dominado e amarrado por ladrões que se passaram por policiais federais. Depois que os ladrões saíram do apartamento, o investigador se libertou das amarras nos pulsos, pegou sua arma que estava escondida e foi atrás dos criminosos e um terceiro que o atingiu covardemente.

Parece romance policial?

E digo mais. Quero que um especialista me mostre na literatura policial um caso no qual a vítima de um crime de silenciar uma testemunha saia correndo atrás dos algozes… Isso tudo é risível. Outro caso, que a imprensa quis relacionar com o Celso Daniel foi o de um agente funerário que teria descoberto o corpo.

Primeiro, ele não descobriu o corpo, apenas escutou na frequência do seu rádio o caso do surgimento de um cadáver. Chegando ao local, ele teria reconhecido o que poderia ser o prefeito sequestrado. Somente isso.

Ele foi morto depois por disputa comercial, por um matador contratado por outro dono de funerária na Grande São Paulo. Ambos presos e condenados.

Qual a vinculação com a morte de Celso Daniel? Esta simples pergunta a grande imprensa não leva em conta. O Dionísio e o parceiro dele foram mortos em razão de brigas entre criminosos, conforme as investigações que foram realizadas.

Qual é a sua opinião sobre a projeção da versão do Ministério Público neste caso?

O MP é um órgão importantíssimo em qualquer democracia que viva sob o império da Lei. Contudo, é formado por humanos que erram e erram feio. Fazem isso por má-fé ou incompetência, e às vezes pelos dois fatores. Eles optaram pela tese de crime de mando, ou seja, contrataram pessoas para matarem Celso Daniel. A Polícia Civil, que eu fiz parte, apurou que foi sequestro seguido de morte, uma tese menos mirabolante ou contrária aos fatos.

O que você acha da atuação do juiz Sergio Moro? Ele têm razão em ver ligações do caso Celso Daniel com a corrupção da Petrobras? 

​​​​​​A atuação do juiz Sérgio Moro é complexa. O fato de ele decidir rapidamente ao condenar corruptos é algo positivo, mas ele tem de agir dentro da lei, pois ela é para todos e para ele também. Serve para os medalhões de outros partidos, também.

O vínculo da morte de Celso Daniel com outros crimes e desmandos não é verdadeiro. Os crimes de corrupção em Santo André, com a participação do Sombra, estão sendo investigados, inclusive com condenações na Justiça, e são outra história.