Como foi a eleição na Venezuela

Atualizado em 10 de outubro de 2012 às 17:19

"É difícil para quem não é venezuelano imaginar uma figura política que continua a atrair um apoio popular tão grande após 14 anos no poder"

DE CARACAS

O dia 7 de outubro começou às 3 da manhã, quando as pessoas em Caracas foram despertadas por fogos de artifício e música nas ruas para as eleições presidenciais. Vinte horas depois, e sem dormir, uma enorme multidão que havia espontaneamente forçado sua entrada no palácio de Miraflores ouvia o presidente Hugo Chávez, da “sacada do povo”, discursar por uma hora. Depois de um dia de votação tranquilo, ele havia sido reeleito com 54,5% dos votos contra 45% de seu oponente. Henrique Capriles aceitou a derrota, e Chávez elogiou a decisão em seu discurso de fim de noite. “Eles reconheceram a verdade”, disse, “eles reconheceram a vitória do povo”

Os venezuelanos tinham acordado muito antes de amanhecer. Uma atmosfera semelhante à de um festival  começou a se espalhar entre os bairros na madrugada,e eu tive uma primeira idéia de que há algo diferente nas eleições da Venezuela. Você pode imaginar acordar às 3 ou 4 da manhã para sair e votar em um político? Mas o fato de que o povo venezuelano pode, e de fato faz isso, diz muito sobre o quanto o voto significa para eles e sobre o seu interesse nesse processo político. À noite, antes que os resultados fossem divulgados, soube-se que a taxa de participação foi de 81% do eleitorado, um recorde na história da Venezuela, sobre os 75% das eleições de 2006.

É importante explicar que a Venezuela tem um dos sistemas de votação mais avançados do mundo. Você é identificado através da leitura eletrônica de sua impressão digital, tornando extremamente difícil você se passar por outra pessoa, a não ser que tenha o polegar dela. Para não haver confusão, cada candidato é distinguido na tela pelo nome e por uma fotografia bem nítida.

Depois de pressionar a sua escolha a máquina imprime um recibo para confirmar. Presumindo que está correto, só então você coloca na urna de votação. No final do dia, os votos são contados tanto eletronicamente quanto à mão. Em outras partes do mundo a norma é que aproximadamente 18% dos votos sejam contados manualmente, apenas para confirmar que os resultados estão corretos.

Aqui na Venezuela, até 60% são contadas à mão, pois eles não querem cometer erros em algo que vai determinar os próximos seis anos de governo do país. Não há voto por correspondência, o que significa que mesmo deficientes, idosos ou incapacitados têm que comparecer aos locais de votação. No entanto, como rapidamente percebi, isso não parece ser um problema. Em cada posto que visitei alguém imediatamente perguntou se eu gostaria de ajuda para votar. Os deficientes têm preferência, o que é uma vantagem, porque as pessoas ficam por até três horas na fila em um calor sufocante.

Iniciada às 6 horas da manhã,a votação deveria terminar às 6 da tarde. Mas, como no horário de encerramento ainda havia fila, o processo continuou até que todas as pessoas tivessem exercido o seu direito democrático. Ninguém é excluído ou ignorado.

No final, cada pessoa mergulha o dedo mínimo em tinta roxa antes de sair da estação de voto. É uma precaução para evitar que alguém possa votar mais de uma vez, mas acaba tendo um apelo mais estético; idosos, jovens, homens, mulheres, pessoas com deficiência, saem com seus pequenos dedos levantados no ar. Fizemos com que nossas vozes sejam ouvidas, todos parecem dizer.

Orgulho ao mostrar o dedo roxo

No bairro de San Juan, a fila para votar dava a volta no quarteirão. Algumas pessoas se alinharam em um lado da rua vendendo sucos, empanadas e sorvetes, e do outro lado, com a identidade na mão, outras estavam prontas para fazer a sua escolha. A diversidade de pessoas era bonita de ver, bem como a paciência e a descontração. Às 8 da manhã de domingo, parecia que ninguém estava em casa. As ruas estavam cheias de filas de eleitores.

“Há um monte de gente pobre em San Juan”, alguém me disse. “Por isso vai ficar tudo bem por aqui”. Ele queria dizer que Chávez seria bem votado ali. “Em outras áreas, onde há mais oposição … pode haver mais problemas.”

No final da manhã fomos para o bairro 23 de Janeiro, onde Hugo Chávez era esperado para votar. Havia uma grande multidão reunida para recebê-lo. Era gente que ficara horas na fila para fazer sua escolha. Mais uma vez me ofereceram ajuda assim que cheguei ao local. No inicio da tarde, quando Chávez apareceu, a reação foi incrível. Mães com bebês recém-nascidos em seus braços e crianças em idade escolar começaram a cantar: “Uh, Ah, Chávez não se vai”. Sim, ele não se vai.

“Antes de Chávez, o presidente costumava votar no centro de Caracas”, me contaram. “Mas ele vem até 23 de Janeiro, onde os pobres vivem.” Depois de uma cansativa manhã fui para casa comer e descansar para a noite.

Sem dúvida, há muitos grandes problemas na Venezuela, mas eu tive a sensação de que estava testemunhando algo histórico. Pode-se argumentar que, embora a força esteja sendo passada para as mãos de pessoas comuns, isso poderia estar acontecendo mais rapidamente. No entanto, a curto prazo, pelo menos, as pessoas sentem uma conexão emocional com Chávez e, mais importante, acreditam que ele vai cumprir o que diz.

É difícil, para quem não é da Venezuela, imaginar uma figura política que continua a atrair um apoio popular tão grande após 14 anos no poder, mas pode ser porque é raro encontrar um político que não minta e que não trabalhe continuamente para proteger o status quo e os lucros financeiros acima tudo.

Às 7 da noite a votação ainda estava acontecendo. O Conselho Nacional Eleitoral reforçou na TV que ninguém além dele poderia dar os resultados oficiais da eleição, e que as pesquisas de “boca de urna” deveriam ser ignoradas. Os resultados estavam longe de ser anunciados, mas já dava para ouvir celebrações nas ruas. Buzinas de carros, fogos de artifício, as pessoas explodindo em aplausos de júbilo. Quem poderia afirmar que ainda não se sabia quem havia vencido?

Na Avenida Urdaneta, pessoas para fora dos carros acenavam com bandeiras venezuelanas e buzinavam incessantemente. Num grande cruzamento um grupo vestindo a famosa camiseta vermelha parava o tráfego para comemorar. Um comboio de motos veio subindo a avenida e parou no semáforo agitando bandeiras e cartazes para deleite geral. A cada cem metros nova multidão se formava. Camiseta vermelha e pequenos dedos roxos.

As famílias estavam com seus filhos. A maioria das pessoas não parecia ter uma dúvida sequer sobre os resultados oficiais. Não havia um membro da oposição nas ruas. Era um contraste marcante com as semanas anteriores.

Na Plaza de Bolívar, grupos se concentravam em torno de telas de televisão e nas janelas dos edifícios. Os resultados não haviam sido divulgados ainda. Em Miraflores, o palácio presidencial, milhares de pessoas se reuniram do lado de fora e as celebrações começaram. As pessoas estavam dançando, enormes bandeiras venezuelanas balançavam no ar e os cantos não “Se Va”, claro, continuaram.

Fiquei uma hora e meia na frente da multidão antes de descer a avenida principal, onde o churrasco estava assando. Comida nunca é negligenciada aqui, em qualquer ocasião, e saboreei mandioca e carne cozidas em folhas de bananeira, sentado na calçada de Miraflores.

“Você acha que vamos saber quando os resultados saírem?”, perguntei a Finlay, meu irmão mais novo. “Ou será que eles já saíram?”
“De jeito nenhum”, ele respondeu. “Nós definitivamente saberemos. Nós saberemos.”

Menos de um minuto depois, vi que ele estava certo. Estávamos de pé em um espaço aberto perto do meio da multidão, e sentimos a vibração das pessoas de uma ponta da avenida para a outra. Em questão de três segundos, as pessoas pereciam loucas. Sabíamos, todos sabiam. Chávez tinha vencido.

Corri de volta para a entrada de Miraflores, onde a multidão foi aumentando. Com a euforia da celebração, a multidão lançou-se através das grades que nos separavam do palácio. Os enormes portões de metal não tinham como não estourar. Foi feito um grande esforço para evitar sufocamentos. Uma mulher passou andando ao nosso lado, com a barriga de pelo menos oito meses de gravidez,  se voltou para meu irmão e perguntou se ele precisava de ajuda para empurrar minha cadeira de rodas.

Não houve confronto. No telhado do edifício Miraflores, os soldados balançavam bandeiras gigantes e acenavam com suas mãos. Bandeiras palestinas, cubanas e venezuelanas foram mantidas no ar. A cantoria continuou como se tivesse acabado de começar. Na sacada do palácio acima de nós, apelidada de “Varanda do Povo”, um microfone estava sendo instalado.

Por volta das 11 horas, Hugo Chávez, rodeado pela família, saiu para agradecer a multidão. Como de costume, primeiro veio o hino nacional da Venezuela, em uma versão estendida. Depois Chávez falou por mais de uma hora, e foi recebido com o tipo de saudação que você poderia esperar para alguém que acaba de receber o apoio de milhões de pessoas, mais uma vez. Às vezes era difícil ouvir as palavras de sua boca.

Ele falou sobre a unidade da América Latina, sobre o aprofundamento da revolução, sobre o socialismo praticado hoje no país, sobre a Venezuela ser independente, e sobre a reconciliação com a oposição. Finalmente, ele falou de Simon Bolívar, o libertador da Venezuela, e levantou a espada de Bolívar no ar. Depois de sair, ele voltou para o bis, acenando e abraçando uma bandeira venezuelana. “Eu não sou nada sem as pessoas”, disse Hugo Chávez, da sacada de Miraflores.

Isso é o que o povo da Venezuela provou, com suas ações e seus votos.

Voltei para casa. A festa continuou noite dentro.

TRADUCÃO DE ERIKA K NAKAMURA