20 mil tucanos na mão: o poder de fogo de Márcio França, o vice de Alckmin. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 15 de janeiro de 2018 às 12:01
Márcio França, Serra e Alckmin

POR MIGUEL ENRIQUEZ

O que fazer com Márcio França e o exército de 20 mil tucanos empoleirados no governo há 22 anos em cargos da administração direta e indireta? 

Eis o dilema que atormenta o governador Geraldo Alckmin e o impede de se movimentar como gostaria na direção de uma candidatura tranquila à presidência em 2018.

Se a retomada do poder central continua como foco prioritário do PSDB, há de se considerar também que, tão ou até mais importante, é a manutenção do governo de São Paulo, a “jóia da Coroa” que os tucanos controlam desde que Mário Covas se elegeu pela primeira em 1994.

De lá para cá, partidários de Alckmin e Serra vêm se revezando no comando do estado num clima de vôo de cruzeiro, mantendo seus grupos bem nutridos das farturas da coisa pública. 

Um dos pilares centrais para a estratégia sempre dar certo é a precisão cirúrgica na escolha dos vices (Dilma que o diga). O próprio Alckmin despontou como um “dois de paus” indicado por Covas. Fiel escudeiro, acabou herdando o posto com a morte do chefe.

Na primeira aventura solo, durante a disputa de sua primeira reeleição, em 2002, fez uma escolha, digamos, administrativa, guindando Cláudio Lembo ao posto de segundo na sucessão. Embora tenha contrariado setores do partido, que naquela ocasião já defendiam a “chapa pura”, conseguiu  garantir certa previsibilidade, quatro anos depois, quando se licenciou para concorrer ao Planalto em 2006.

O hoje senador José Serra, que sucedeu Alckmin a partir de 2007, optou por não dar sopa para o azar: a solução caseira, Alberto Goldman, velho amigo, manteve as coisas como se esperava com a saída do então governador para tentar pela segunda vez a presidência, em 2010, e ainda ajudou no retorno do próprio Alckmin desta vez com Guilherme Afif Domingues de vice.

Ali se prenunciaria o que Serra tentou evitar, com Goldman, e que hoje aflige Alckmin com Márcio França. Numa cena inusitada, e sinalizando o perfil oportunista que sempre marcou sua vida pública, Afif acabaria abandonando o cargo para assumir um ministério no governo de Dilma Rousseff, junto com o colega Gilberto Kassab – ambos completariam o serviço traindo Dilma no golpe de 2016 ao se juntarem com Michel Temer horas após o peemedebista tomar o poder. 

O acesso de Márcio França ao núcleo duro tucano é uma combinação de diversas variáveis, mas duas se destacam. A primeira é a notável inabilidade política de Alckmin – basta notar como roda feito peru na defesa dos seus próprios interesses.

A segunda decorre do desgaste natural de um partido que está fazendo “hora extra” no comando do Estado, sem apresentar resultados consistentes. Espertamente, França percebeu essa fragilidade – Kassab já havia feito o mesmo quando forçou sua candidatura a vice de Serra na disputa pela prefeitura de São Paulo – e conseguiu emplacar seu nome em troca do apoio do PSB. 

Invés da montanha parir um rato, como se diz sobre aquele tipo de esforço que não dá em nada, o que Alckmin conseguiu foi criar um cachorro grande com apetite de leão.

Foi França quem articulou a incrível aliança que viabilizou a candidatura de João Doria à prefeitura de São Paulo. Foi ele também quem percorreu o Estado, no auge da crise que se abateu sobre o PT e os partidos de esquerda, atraindo prefeitos, vereadores e lideranças para base do governo.

O poder do vice, embora isso não mereça grande destaque no noticiário tradicional, é tão grande que atropelou o próprio Dória. Num encontro na casa do gestor, informou que seria ele, e não o prefeito, o candidato da coligação à sucessão de Alckmin.

França quer ser governador de São Paulo e não vai abrir mão disso, para desespero de Alckmin. Ao contrario de Cláudio Lembo e Goldman, que cumpriram o combinado, não tem vocação para pau mandato.

Esse é o motivo central de Alckmin pisar em ovos na articulação de sua própria candidatura. Sabe que Serra é o melhor para a manutenção das coisas, sem riscos, sem grandes alardes.

Mas isso requer segurar o vice – já imaginou o que aconteceria com o exército amarelo e azul pendurado nas tetas do Estado com Márcio França como governador concorrendo com Serra? Sobraria pena para tudo que é lado – esse desfecho não há de ser favorável a Serra, muito menos a Alckmin. 

A conjuntura leva a algumas suposições, que estão colocadas e que podem se viabilizar, definindo o cenário tucano para o ano que vem.

Uma delas, difícil, passa por um acordo com França – ele se manteria como governador por nove meses com a promessa de garantir um espaço importante na eventualidade de Alckmin vencer a disputa presidencial. Neste caso Serra se viabilizaria novamente candidato ao governo.

A outra possibilidade, tão inusitada quanto o gesto de Afif de abandonar o cargo de vice do PSDB para assumir um ministério do PT, seria a viabilização de uma candidatura tucana pró-forma, tipo um Floriano Pesaro da vida, que pudesse manter a unidade partidária, garantindo a estrutura de cargos que forma a força tucana, sem incomodar as pretensões eleitorais de Márcio França.

Neste caso, Alckmin teria dois palanques no Estado – um de seu partido, outro de um aliado.

As fichas estão na mesa. Serra tem quase nada na mão. Seu compasso é de espera. O problema do grupo é que Alckmin se atrapalha um pouco quando precisa jogar.