2020 será a atualização do atraso. Por Moisés Stahl

Atualizado em 4 de janeiro de 2020 às 10:11
Presidente Jair Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão exibem uma bandeira do Brasil durante discurso no Palácio do Planalto em Brasília – 01/01/2018 Evaristo Sá/AFP

POR MOISÉS STAHL, historiador e doutorando em história econômica pela USP

Será que já não li, de modo impessoal, em tempo diferente sobre um ano estranhamente igual?

Anos iguais, avareza de Clio, que põe em desconcerto seus doutos oficiais.

Dois mil e dezenove, assim por extenso, para deixar mais evidente sua peculiaridade de condensar em um ano as mazelas de dois séculos, o 19 e o 20, que por eventualidade pensávamos que teria sido superado.

​O século 21 abriu suas cortinas com a esperança de que soluções civilizadas levariam a humanidade para um estágio superior.

No Brasil, o historiador José Murilo de Carvalho iniciava uma obra importante (Cidadania no Brasil: o longo caminho) com a reflexão sobre inexistência de uma memória ativa sobre a Ditadura (1964-1985), “Não há indícios de que a descrença dos cidadãos tenha gerado saudosismo em relação ao regime militar, do qual a nova geração nem mesmo recorda”.

Dezenove anos depois, em pleno 2019, vivenciamos a feitura de um caldo incivilizado, anticientífico, com as mais sombrias memórias da humanidade: ditadura, nazifascismo, massacres, genocídios, destruição do meio ambiente.

As mais impensáveis visões de mundo, até então sepultadas pela luz da ciência: geocentrismo, terraplanismo, revisionismo e nagacionismo se amalgamando na sociedade.

A sobra de uma ditadura faz sombra sobre nossas cabeças. Nosso problema com escravidão mostra-se mais complexo com a contumaz e nefanda prática do racismo. O nazifascismo revela-se ordinário e age sem pudor.

Uma montanha do que de pior foi produzido pelo homem se desloca e avança como uma avalanche descontrolada.

O ano de 2019 experimentou o que de pior aconteceu na história: catástrofes forjadas pela incompetência criminosa como o crime ocorrido em Brumadinho.

O presidente a cada fala e ato abriu caminho para o avanço do fascismo ordinário pôr em prática nas vielas, morros e escolas a presença inesperada e violenta.

A democracia nunca foi tão proclamada e apunhalada. O racismo silencioso e estrutural gritou nos ouvidos do desolado homem cordial: morreu a democracia racial.

Como que se algum dia ela e ele tenham existido. Mas eu entendo Sérgio Buarque.

O Brasil de 2019 revela-se mais desigual, a concentração da riqueza avança na mesma velocidade em que a desigualdade com sua mão invisível tira as condições de sustento do trabalhador pobre, que sem direito rende-se à própria sorte de dias melhores.

As populações indígenas, historicamente massacradas, estão revivendo as atrocidades experimentadas nos séculos da ocupação colonial.

Assim como o meio ambiente, que, com justificativas insólitas, sofre com ataques destrutivos.

Em tempos de constantes atualizações, a elite brasileira atualizou o atraso, prolongou o passado, tirou a máscara e impôs sua truculência.

É urgente um novo projeto de país! Que as boas ideias de civilização, ciência e igualdade dos séculos 19 e 20 guiem a construção de um Brasil para os brasileiros.