2024 está acabando. Já vai tarde. Por um 2025 sem cheiro de 2013. Por Edward Magro

Atualizado em 22 de janeiro de 2025 às 22:10

POR EDWARD MAGRO 

2024 está acabando. Já vai tarde. Que ano puxado para nós, do campo progressista. Difícil porque o Brasil real foi, em muitos momentos, atropelado pelo Brasil da ficção – aquele das narrativas farsescas, dos espantalhos criados diariamente pela classe política e pelo famoso ente imaginário chamado “mercado”.

Tudo isso, claro, amplificado a plenos pulmões pela mídia tradicional e os temidos algoritmos das redes sociais.

O curioso? O país foi bem! Cresceu mais do que o triplo do que o “mercado” previu lá no fim de 2023, manteve a inflação na rédea curta, praticamente dizimou o desemprego, aumentou a massa salarial, distribuiu renda, deu um upgrade assustador no SUS… e por aí vai.

Era para ser o ano da afirmação da democracia e da vida melhor para os brasileiros, certo? Mas não. Virou o ano do desgaste do governo.

É surreal, mas, no geral, foi isso: a realidade deu um show, mas a ficção roubou os holofotes. Que venha 2025 e que a gente consiga trocar esse roteiro, porque ninguém aguenta mais esse enredo.

Economia em alta, Congresso hostil, esquerda fratricida, mercado e mídia em conluio

O Brasil vive novamente um paradoxo: avanços econômicos e sociais concretos contrastam com um ambiente político e midiático que parece empenhado em alimentar o caos. A economia está em franca recuperação, impulsionada pela ampliação da massa salarial e pelo retorno de programas de transferência de renda ao protagonismo no combate às desigualdades. No campo social, as perspectivas são animadoras. O Brasil, que já havia saído do mapa da fome da ONU em 2014, tem chances de repetir o feito no próximo levantamento, consolidando a esperança para milhões de brasileiros.

Mas os avanços não vêm sem resistência. O Congresso Nacional, hipertrofiado pelo legado de Eduardo Cunha e fortalecido pelas “emendas Pix” de Arthur Lira, transformou-se em um campo hostil ao governo. O tom ferrenho da oposição também é reproduzido pela grande mídia. Se Dilma Rousseff era retratada como inepta e descontrolada, Lula agora é descrito como envelhecido, refém do “toma lá, dá cá” e excessivamente focado em política externa — ainda que o Brasil receba reconhecimento internacional por suas atuações globais.

Enquanto isso, a esquerda também tropeça em suas próprias divisões. Setores tentam superar o “lulismo” e criar espaços renovados à esquerda do PT, mas muitas vezes esbarram em discursos mais preocupados em monetização do que em construção política. No próprio PT, o desgaste se faz notar: parte da legenda se rende ao identitarismo superficial impulsionado pela mídia, enquanto outra se acomoda nas benesses do poder. Ainda assim, um núcleo comprometido com os ideais históricos resiste, segurando as pontas do partido.

A eterna guerra pelo bolo

No coração da disputa está o orçamento público, fonte preferida do neoliberalismo brasileiro — consolidado institucionalmente pelo PSDB. Para o mercado financeiro, o dinheiro arrecadado pelo governo em impostos é o caminho mais rápido para alimentar seus lucros.

Essa briga se intensifica em períodos de crescimento econômico, como o atual. O aumento do PIB representa mais riqueza produzida, e os financistas sonham em capturá-la integralmente. No entanto, o governo Lula cometeu o “crime” de usar parte desse crescimento para reforçar políticas públicas voltadas às populações mais pobres — uma prática habitual dos governos petistas que desagrada profundamente ao mercado, para quem a partilha da riqueza é um obstáculo ao desejo de concentração.

A tensão aumenta com a recente descoberta de novas reservas de petróleo no Ceará e no Rio Grande do Norte, além de gás natural em parceria com a estatal colombiana Ecopetrol. Assim como no passado, quando a descoberta do pré-sal serviu de gatilho para desestabilizar Dilma, o mercado agora volta seus olhos para esses recursos. Transformá-los em “dinheiro vivo” — e em seus próprios bolsos — é o objetivo.

Mídia e mercado, um casamento de conveniência

A relação entre a grande mídia brasileira e o mercado financeiro vai muito além da cobertura de fatos econômicos: ela é frequentemente a voz ativa de seus interesses. Seja por pertencer a grandes grupos empresariais ou pela dependência de anunciantes do setor financeiro, a mídia desempenha um papel crucial na construção de narrativas que favorecem as elites econômicas.

Essa influência é perceptível na maneira como avanços sociais e econômicos são minimizados, enquanto previsões catastróficas ganham destaque — mesmo que nunca se concretizem. Dilma foi chamada de “louca”; Lula, de “velho submisso”. Ao mesmo tempo, a mídia exalta figuras alinhadas ao mercado, como Javier Milei na Argentina, mesmo que a realidade concreta mostre uma Argentina devastada por suas políticas. A fabricação de crises e a manipulação de percepções colocam a mídia como um agente ativo na dinâmica política brasileira, influenciando rumos da economia e da democracia.

2024 lembra 2013

Os elementos que levaram ao golpe contra Dilma em 2016 parecem estar de volta ao palco político. Apesar dos avanços concretos na economia e no combate à fome, o governo Lula enfrenta um Congresso hostil e uma mídia comprometida com a desestabilização. A descoberta de novas riquezas naturais reaviva o apetite das elites financeiras, enquanto a fragmentação da esquerda e a busca desenfreada por engajamento nas redes sociais enfraquecem o campo progressista.

O cenário é preocupante: a confluência de interesses financeiros, instabilidade política e narrativas midiáticas corrosivas cria um terreno propício para uma nova ruptura democrática. Mais do que nunca, é preciso reconhecer os riscos e fortalecer as bases da democracia para evitar a repetição dos erros do passado.

O papel nefasto da tal “crítica à esquerda”

A atuação de setores da oposição no campo da esquerda, composta por partidos menores, influenciadores digitais, culto à personalidade, tem desempenhado um papel que, na prática, enfraquece a própria democracia que dizem defender. Esses atores, movidos muitas vezes por um desejo de protagonismo ou engajamento digital, priorizam ataques ao governo Lula em vez de direcionar suas críticas ao verdadeiro foco: a direita reacionária e os interesses do mercado.

Distantes de uma análise estratégica e pouco preocupados com os impactos de suas ações, acabam amplificando narrativas que favorecem a deslegitimação do governo e alimentam divisões internas no campo progressista.

Enquanto algumas vozes honestas procuram construir alternativas viáveis para além do “lulismo”, há quem prefira a trilha perigosa da “revolução imaginária”. Esse discurso, muitas vezes raso e performático, mais serve para monetizar likes e visualizações do que para promover mudanças estruturais. Com isso, enfraquecem a base social necessária para resistir às pressões conservadoras, contribuindo — mesmo que de forma indireta — para um cenário que favorece as elites financeiras e a narrativa midiática. No fim, essa postura não apenas fragmenta a esquerda, mas pavimenta o caminho para novas rupturas democráticas.

O que esperar de 2025?

Primeiramente, juízo, muito juízo do campo progressista que, espero, tenha aprendido a lição de 2013.

Do outro lado, tudo deve continuar como agora: o sistema financeiro, para abocanhar a maior fatia possível do orçamento público, manterá a tática de espalhar terror usando a mídia como megafone.

Toda a conjuntura pode mudar, a depender da atuação do governo e do seu campo de apoio; a única certeza é que Campos Neto terá presença em escala 7×0 nas bancadas de economia, política e, se necessário, nos programas de culinária da TV.