POR NATALIA VIANA, DA AGÊNCIA PÚBLICA:
“June Drake”, “Becky Nguyen”, “Carlos Fernandes” são alguns dos nomes que saltam aos olhos quando se mergulha nos detalhes da colaboração da Lava Jato com o governo americano. Estes são alguns dos agentes do FBI que atuaram no Brasil e que, por serem impossíveis de rastrear, jamais saberemos que informações receberam e o que fizeram com elas. O que sabemos é que são especializados em conquistar fontes, amealhar parcerias e aliados, fazendo o que se chama de “engenharia social”. E que frequentavam até festinhas junto aos procuradores, como aquela de despedida do “adido Frank Dick” na embaixada do Reino Unido onde, entre copos, discutiam a colaboração lavajatista.
Para além do teor pouco republicano dos diálogos revelados pela Agência Pública em parceria com o The Intercept Brasil na semana passada, – em 2016, Deltan Dallagnol chegou a dizer que preferia não compartilhar um pedido de extradição com o governo de Dilma Rousseff, mesmo alertado por um colega da PGR de que isso era ilegal – o que surpreende nessa história é como os procuradores curitibanos foram presa fácil para os agentes americanos. Sedentos por serem reconhecidos na arena internacional como “líderes” da cruzada anti-corrupção, deixaram-se levar pelo canto da sereia. Alguns, como o carola Dallagnol, tinham certeza de contar com a mão divina por trás dos seus atos.
Vejamos: desde outubro de 2015, representantes do governo americano avisavam em reuniões fechadas que pensavam em impor à Petrobras uma multa de 1,6 bilhão de dólares. Naquela mesma visita (feita sem a autorização do Ministério da Justiça, contrariando o que manda a lei) Deltan já recebia um agrado: “Ontem falamos com eles sobre assets sharing da multa e perdimento associados à ação deles contra a Petro, e em parte desses valores há alguma perspectiva positiva”, escreveu no Telegram. Asset sharing é o termo elegante para falar de divisão da grana.
Desde então, os brasileiros se assanharam com a possibilidade de criar uma fundação para gerir o valor bilionário. Sediada em Curitiba, a fundação apoiaria projetos e treinamentos de combate à corrupção e teria óbvia influência dos procuradores. Ao mesmo tempo, Deltan e Roberson Pozzobon discutiam abrir uma empresa para atuar no mesmo ramo: “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok?”, escreveu Dallagnol para sua esposa.
Mas além do lucro pessoal, o asset sharing trazia um ganho de imagem à Força-Tarefa. Seus membros seriam verdadeiros heróis trazendo dinheiro “roubado” para ações “do bem”. Tanto que eles chegaram a buscar ativamente ligações de uma empresa de Singapura que investigavam com os Estados Unidos, pois assim podiam envolver os procuradores do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) e “ampliar o valor”, nas palavras de Deltan.
Os americanos, apesar de terem retido a menor parte das multas da Petrobras e da Odebrecht, receberam à vista e ficaram muito felizes. Para eles, investigar corrupção internacional compensa. Desde 2015, a verba do FBI para investigar crimes de corrupção fora das suas fronteiras aumentou 300% e quatro escritórios foram abertos apenas para isso; o mais recente, em Miami, apenas focado em corrupção na América do Sul. O escritório do FBI no Brasil, que continua em atividade, também recebeu aumento de verbas para tratar desses casos.
E as informações da Odebrecht e da Petrobras seguem dando frutos ao governo americano: ontem mesmo, o DOJ indiciou dois filhos do ex-presidente do Panamá por facilitar propinas em um projeto da Odebrecht. Ainda há muito o que investigar no continente de Tio Sam, como deixou claro Leslie Backschies, atual chefe da Unidade de Corrupção Internacional do FBI. A mesma que, alegremente, para felicidade da procuradora Thaméa Danelon, posou para uma foto apoiando as 10 medidas contra a corrupção em 2016. “Aaaahhh garota!! Aí é missão impossível. Até ouvi a musiquinha kkkk”, deslumbrou-se Deltan.
Em tempo: foi o FBI que acabou ganhando a cereja do bolo ao se aproximar do núcleo duro de Curitiba. Em menos de um ano e meio de mandato no Ministério da Justiça, Sergio Moro, o ex-juiz que sempre deu o tom da Lava Jato, escancarou as portas do MJ para o FBI, com franco acesso a um posto de vigilância na tríplice fronteira, ponto estratégico desde sempre para os EUA, a pretexto de combater o terrorismo internacional.