7 de Setembro: soberania, anistia e golpe em andamento

Atualizado em 8 de setembro de 2025 às 6:41
Bolsonaristas exibem bandeira dos Estados Unidos durante ato na Avenida Paulista, em São Paulo – Foto: Reprodução

Por Aldo Fornazieri

A anistia aos participantes e organizadores dos atos golpistas representa a continuidade do golpe. Anistiar significa perdoar criminosos e dar-lhes salvo-conduto para que continuem conspirando contra a democracia e o Estado de Direito. Anistiar os golpistas, comutando as penas dos atos passados, presentes e futuros, como se quer no projeto dos bolsonaristas e da direita em geral, significa abrir ainda mais as portas da política para as organizações criminosas como o PCC e o Comando Vermelho.

Em que pese tudo isso e mais do que isso, a semana que deu início ao julgamento do grupo principal que organizou a tentativa golpista – incluindo Bolsonaro e alguns generais – foi marcada pela ofensiva política bolsonarista, empurrando o governo e os partidos de esquerda para a defensiva. Viu-se um forte ataque ao STF, uma espécie de levante pela anistia no Congresso com Tarcísio à frente e com uma maior presença da direita nas redes em defesa das suas bandeiras. A defensiva do governo e das esquerdas veio por meio de declarações de Lula: reconheceu que a anistia pode passar no Congresso.

A semana terminou no dia 7 de Setembro mostrando a fragilidade das frentes de partidos de esquerda e dos movimentos sociais, que fizeram mobilizações fracas contra a anistia e pela defesa da democracia. Em São Paulo, de acordo com o Monitor da USP que mede a presença das pessoas nos atos, as esquerdas mobilizaram cerca de 9 mil pessoas na Praça da República e os bolsonaristas mobilizaram mais de 42 mil pessoas na Avenida Paulista. As esquerdas perderam nas redes e nas ruas.

Simbolicamente, a bandeira listrada do intervencionismo imperial norte-americano na Paulista se sobrepôs às pálidas bandeiras verde e amarelas da soberania na Praça da República e na Esplanada dos Ministérios. A anistia golpista derrotou a soberania nas ruas e nos espaços do debate público. A ousadia dos celerados bolsonaristas se sobrepôs a uma esquerda extraviada que, mesmo com todos os elementos para impor uma derrota história à direita, não sabe o que fazer.

Repita-se: não há comando político. Na semana retrasada, a sonolenta articulação política do governo levou uma bolada nas costas permitindo que a direita ficasse com a presidência e a relatoria da CPI das fraudes do INSS. É inadmissível e imperdoável.

Mais do que isso: é espantoso o que está acontecendo no país. O bolsonarismo sai do banco dos réus para se transformar em juiz e colocar o STF no seu lugar. O STF, que julga em nome da defesa da democracia e do Estado de Direito, é transformado em tirano e o bolsonarismo em “voz da liberdade”. Ninguém menos que o Tarcísio de Freitas, governador do principal estado do país, proclamou que Alexandre de Moraes (e por consequência o STF) é tirano.

O governador Tarcísio rasgou a fantasia. Mostrou o que já se sabia: é um bolsonarista radical, ataca a democracia e está a serviço do golpismo. É golpe não aceitar os julgamentos e as decisões dos tribunais na democracia. Nas democracias, as decisões dos tribunais precisam ser respeitadas. O desrespeito significa apelo à violência, à lei do mais forte.

A campanha da anistia, o motim dos deputados extremistas que tomaram a mesa da Câmara dos Deputados e a não aceitação do julgamento e das futuras sentenças do STF representa um golpe em andamento. Os deputados de direita, os bolsonaristas e o governador Tarcísio são o comando desse golpe. Disseminam a ideia de que, em caso de condenação, haverá algum tipo de intervenção do governo Trump. A interdição de qualquer negociação acerca  do tarifaço indica que esta possibilidade não deve ser subestimada.

A passividade e a incompetência das esquerdas estão levando o presidente Lula e o STF para um grave desgaste político. Se o projeto da anistia for aprovado, Lula terá que vetar, e o veto poderá ser derrubado. O impasse chegará ao STF e o Tribunal, mais uma vez, terá que entrar na disputa política declarando a inconstitucionalidade do projeto. Ou seja: as esquerdas mostram-se incapazes de jogar o jogo político nas arenas dos embates políticos e terceirizam a disputa ao STF.

Se o projeto de anistia for aprovado, se for vetado por Lula ou se for declarado inconstitucional pelo STF, o Brasil entrará numa conjuntura de alto risco. Os bolsonaristas não aceitarão nem o veto e nem a inconstitucionalidade. Partirão para o tudo ou nada, para o confronto, para o impasse político com a ajuda do governo Trump.

Ao contrario de Lula, que percebeu a gravidade do momento político ao apontar para a necessidade de mobilização popular para barrar a anistia, as esquerdas sonolentas continuam tomadas de torpor político. Os ganhos políticos que Lula e o governo obtiveram até agora do impacto do tarifaço e do julgamento do comando golpista foram relativamente pequenos. Os riscos conjunturais exigem que esses ganhos sejam consolidados e ampliados.

Mas para isso é necessário intensificar a disputa política no Congresso, nas redes e nas ruas. A extrema-direita vem se mostrando capaz de polarizar e atrair a centro-direita criando dificuldades crescentes para o governo no Congresso. A centro-direita confirma duas coisas: 1) é incapaz de desenvolver um projeto democrático de poder; 2) é linha auxiliar da extrema-direita e do golpismo.

Garantir que o STF conclua o julgamento pronunciando as sentenças e barrar o projeto da anistia é a única forma de colocar um ponto final ao golpismo. Outros países percorreram esse caminho com êxito na América do Sul, sem anistia e com punições severas aos criminosos das ditaturas.

A Argentina, que teve mais de 30 mil mortos e desaparecidos, já puniu mais de 1.200 militares e civis que cometeram crimes na ditadura. Mais de 200 criminosos, entre eles os generais e outros altos funcionários que comandaram os governos, pegaram prisão perpétua. No Brasi, com a anistia, a rigor, ninguém foi punido. Isto permitiu que Bolsonaro expressasse sua admiração pelos ditadores sul-americanos, elogiasse o torturador Brilhante Ustra e proclamasse a necessidade de fechar o Congresso e fuzilar 30 mil pessoas, começando pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Não por acaso, no término do seu mandato presidencial, surgiu o plano do “punhal verde e amarelo” que planejava o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

A anistia é incentivo a golpes. Esse incentivo só será quebrado com a punição dos golpistas. O STF precisa ser equilibrado e sensato para produzir um resultado justo. Se os golpistas forem condenados, como se espera, as sentenças não podem ser escassas demais a ponto de sugerirem impunidades e nem excessivas para não parecerem vingança. A normalidade político democrática do país não virá com a anistia, mas com sentenças justas do STF. Os instrumentos judiciais e coercitivos do Estado brasileiro, com respaldo popular, precisam garantir que as decisões dos tribunais sejam efetivadas.