Como já dissemos, o 8 de março não é uma data romântica, é uma data política.
Um texto de congratulações seria inútil: neste dia de luta, nosso maior presente é – como sempre foi – de nós para nós mesmas, e nenhum presente seria melhor do que debater livremente com nossas iguais sobre as coisas que nos colocam em um lugar de inferioridade, nos objetificam e nos violentam.
Minha contribuição neste dia é, portanto, abrir essa discussão sobre a farsa do empoderamento feminino, como forma de abrir os olhos das mulheres cuja força tem sido subaproveitada com pautas inúteis.
Somos convencidas pelo neoliberalismo (e, perdoem, pelo próprio feminismo liberal) que vivemos a era do empoderamento feminino, a era do empreendedorismo de si mesma, da liberdade sexual e da superexposição dos nossos corpos nas redes sociais.
A isso não chamo de liberdade, mas de auto exploração: a crença de que estamos livres é perigosa, porque nos retira deste lugar de luta permanente em que precisamos estar, na busca por uma sociedade com verdadeira isonomia.
Nos autoexploramos quando expomos nosso corpo ao vouyeurismo masculino como ato de liberdade, mas, sem percebermos, seguimos no mesmo lugar de objetos, caindo no conto neoliberal do empoderamento individual.
Não é a nudez que empodera: o que empodera é independência financeira, consciência de gênero, políticas públicas para combater estupros e outras violências, e, principalmente, o que empodera é que saibamos a verdade: o empoderamento feminino é uma farsa porque é visto como algo fora do coletivo, uma característica identitária e não uma luta coletiva.
O termo “empoderamento” tem sido, portanto, empregado de forma equivocada dentro e fora das redes sociais (para mais sobre o tema, recomendo o livro EMPODERAMENTO, de Joice Berth).
Essa autora nos elucida, inclusive, sobre os equívocos em torno deste termo: nos ensina, entre muitas outras coisas, que não existe empoderamento individual, e que esta pauta deve levar em consideração diferenças de raça e classe.
Este conceito precisa portanto ser entendido como luta coletiva, porque uma mulher só é realmente livre quando as outras também o são (me ver livre é querer livres às outras, já disse Simone de Beauvoir).
Enquanto houver mulheres estupradas, violentadas, assassinadas, recusadas na entrevista de emprego por serem mães ou expondo-se a um perigo gravíssimo por não quererem ser mães (sim, estou falando de aborto, e espero que muitas mais falem sobre isso neste dia e em todos os outros), não haverá empoderamento.
Tendo isso em vista, é certo que nossas principais pautas não importam ao feminismo liberal.
Enquanto o feminicídio aumenta e a desigualdade salarial entre homens e mulheres é banalizada, as libfems lutam pelo direito de exporem seus mamilos no Instagram.
Mulher, melhore.
O empoderamento feminino é uma farsa porque não engloba a todas, não chega na favela, não chega para mulheres mais velhas, não sai das redes sociais nem dos muros das universidades.
O empoderamento no qual acredito é coletivo e isonômico, e compreende pautas muito mais importantes do que a famigerada liberdade sexual.
Expormos nossos corpos nas redes como protesto não nos ajuda: significa simplesmente que passamos a consentir tacitamente com nossa própria exploração.
Que nossos corpos jamais sirvam ao vouyeurismo masculino, mas sempre às nossas lutas coletivas.
Que os feminismos percebam todos (inclusive e principalmente o feminismo liberal) que o empoderamento é uma tarefa ainda longe de estar concluída, e que sejam adotadas práticas prioritárias que realmente nos libertem e desfaçam, finalmente, esta farsa.
Agora sim: feliz dia internacional da mulher.