EUA devem explicar as “instalações de pesquisas biológicas” na Ucrânia. Por Sara Vivacqua

Atualizado em 10 de março de 2022 às 6:58

Em testemunho ao Comitê de Relações Exteriores do Senado americano nesta terça-feira 8 de março, quando perguntada se a Ucrânia teria armas químicas ou biológicas pelo Senador Marco Rubio (Republicanos-FL), Victoria Nuland, subsecretária de Estado para Assuntos Políticos, confirmou a existência de “instalações de pesquisa biológica” na Ucrânia. 

Nuland complementaafirmando que caso qualquer ataque biológico ocorra na Ucrânia, ela “não teria dúvidas” de que a Rússia estaria por trás. 

Essa admissão pela Casa Branca sugere a veracidade das recente alegações do Ministério da Defesa russo, que afirmou ter encontrado e destruído patógenos que incluem a peste, antraz, tularemia, cólera e outras doenças mortais. O exército russo alegou ter descoberto 30 laboratórios biológicos na Ucrânia ligados à Agência de Redução de Ameaças da Defesa do Pentágono (DTRA).

De acordo com o site  Antiwar.com,  não é segredo que o governo dos Estados Unidos, mais especificamente o Pentágono, financia laboratórios na Ucrânia. Em 25 de fevereiro, o Boletim de Cientistas Atômicos publicou um artigo citando Robert Pope, Diretor do Programa Cooperativo de Redução de Ameaças do DTRA, alertando para o risco de que patógenos perigosos seriam liberados dos laboratórios existentes na Ucrânia durante o conflito. 

Os funcionários do Pentágono afirmam que esse programa em território estrangeiro é estritamente para fins pacíficos, ao mesmo tempo que Pope adverte sobre a sua periculosidade e risco de acidente.

“A invasão russa da Ucrânia pode colocar em risco uma rede de laboratórios ligados aos EUA na Ucrânia que trabalham com patógenos perigosos”, diz.

“Acho que os russos conhecem o suficiente sobre os tipos de patógenos que são armazenados em laboratórios de pesquisa biológica, e eu não acho que eles iriam deliberadamente visar um laboratório. Mas o que me preocupa é que eles possam ser acidentalmente danificados durante esta invasão russa”.

O bolsão neo conservador da Casa Branca, na pessoa de Nuland (e da oposição na pessoa de Rubio) – os tais neocons que protagonizaram in locu o golpe Euromaiden de 2014 na Ucrânia- pareciam intencionalmente querer produzir uma confirmação pública sobre a existência de tais laboratórios americanos. 

A resposta à pergunta retórica e convenientemente ensaiada de Nuland a Rubio parecia ter propósito múltiplo: confirmar a existência de patógenos, negar que seriam armas biológicas e estabelecer uma futura e incondicional responsabilização da Rússia caso qualquer material biológico saia fora de controle durante o conflito. Talvez negar a existência de tais laboratórios, já não fosse viável , ou instrumental, ou arriscado demais. O que explicaria o alerta do Pentágono e cientistas. 

Num movimento que antecedeu a declaração de Nuland, no dia 4 de março, o Pentágono e as forças armadas da Rússia estabeleceram em acordo conjunto uma linha telefônica direta para reduzir os riscos de “erro de cálculo” em meio à guerra na Ucrânia. A  “linha de desconflito”, é a mesma usada na Síria entre os militares das forças armadas russas e norte-americanas. Em conferencia de imprensa do Pentágono, o porta-voz John F. Kirby diz não estar pré-especificado o escopo da linha, que pode ser usada para diferentes situações. 

E é justo aí que parecem residir alguns pontos de compreensões divergentes e certos movimentos contrários entre Pentágono (minimizar o dano), que reconhece que tem mais a perder que ganhar, e os neoconservadores (escalar o conflito). É o que o especialista britânico em política externa russa e norte americana, Alexander Mercouris, sugere a partir das diferentes declarações oficiais analisadas por ele. Ele diz que os profissionais da guerra de ambos lados parecem procurar minimizar danos, “desconflituar”, negociar corredores humanitários, pelos quais inclusive militares radicais possam capitular e escapar, enquanto a política americana e europeia buscam a inflamação ideológica sem precedentes e inconsequente de um conflito, e enquanto os mercenários ideológicos ucranianos e recrutados estariam dispostos à “totaler Krieg”, a guerra total, até o último homem. Uma distopia entre o papel da política e da guerra à altura de nossos tempos.

E de certo modo, alguns fatos sob esse ângulo não deixam de ganhar certa lógica. Parece haver indicações de que o próprio Pentágono e forças armadas russas compreendem a possível extensão destrutiva de uma escalada, e que o conceito de um vitória nuclear é apenas fictício. Não creio que esse entendimento mútuo necessariamente implique numa não-escalada, mas abre espaço para desfechos em outras direções. É preciso compreender que a Rússia – ao contrário da Europa, EUA e da mídia ocidental – não encara este conflito como ideológico, mas (legítima ou ilegitimamente) como existencial.  Ao mesmo tempo que ela tem reivindicações concretas sobre o que entende ser sua segurança nacional como condição de retirada, e não de objetivos difusos – o que abre espaço para acordos -, ela tem os meios bélicos e indica disposição de seu uso para ir até onde achar ser necessário. O Pentágono parece ter uma compreensão disto, quem sabe quando opta por cautela ao não enviar suas tropas. 

Analistas seniores do Pentágono e oficiais profissionais da guerra e da diplomacia americana começam ir a público recentemente para pontuar o que poderia ser considerada o início de uma solução diplomática – o reconhecimento da existência de um problema real de segurança da Rússia e uma guerra que tinha que ter sido evitada. A classe política mundial e parte massiva da opinião pública têm, no entanto, preferido ignorar este aspecto. Esses expertos concordam que existia um entendimento universal do Pentágono à Casa branca, de que a inclusão da Ucrânia na OTAN “afetaria seriamente os interesses de segurança da Rússia, que poderia levar a uma divisão grave, envolvendo violência ou no pior dos casos, guerra civil. A Rússia, por fim, teria que tomar uma decisão se deve intervir; uma decisão que a Rússia não quer tomar”como revelou o vazamento publicado pelo Wikileaks dos cabos diplomáticos ucranianos de 2008 em e-mail escrito do diretor da CIA, William Burns, ao então embaixador dos Estados Unidos em Moscou. 

Jack Matlock, Ex-embaixador dos EUA na antiga União Soviética, já em 1997 testemunhou no Senado americano que expandir a OTAN sem a inclusão da Rússia, à época uma consideração, seria criar uma corrida armamentista mundial, e que a Rússia e o que sobrava da União Soviética não apresentava ameaça. Em sua declaração, dizia:

“Considero a recomendação para aceitar um novo membro da OTAN como falaciosa. Se for aprovada pelo Senado dos Estados Unidos, ela pode entrar para a história como o mais profunda cegueira estratégica desde o fim da guerra fria. Longe de melhorar a segurança dos Estados Unidos, seus aliados e das nações que desejam entrar na Aliança, ela poderia muito bem encorajar uma cadeia de eventos que poderia produzir as mais sérias ameaças a esta nação desde que a união soviética entrou em colapso.”  

Em entrevista recente, Matlock explica que os problemas com a Rússia não são apenas relacionados à OTAN

Zelensky aplaudido de pé no Parlamento britânico

Começaram com a retirada gradual de todos os acordos de controle de armas a partir da segunda administração Bush, os mesmos acordos diplomáticos que possibilitaram o fim da guerra fria. Adicionalmente, os EUA começaram com intrusões diretas nas politicas internas destes novos países do leste europeu e tentativas direta de mudar o governos. 

Enquanto uma corrente da elite belicista e diplomática dos EUA insistem no reconhecimento de preocupação legítima de segurança nacional da Rússia, chamando à mesa de negociação, os neo conservadores e afilados parecem se comportar unanimemente como um exército de mercenários não profissionais, famélicos pela escalação da guerra, pelo lucro financeiro e político através da escalação e legitimação da máquina ideológica dos “valores e democracias ocidentais” versus tiranias. Em fevereiro, reformas legislativas foram aprovadas no senado americano para permitir aplicação de sanções “em escala sem precedentes”. Tais sanções irão ameaçar de fato a segurança alimentar e energética mundial, enquanto a China é acusada de “economic warefare”. 

A Europa adere e ajuda também a acionar uma propaganda mediática despudorada com supressão de meios de comunicação, ao ponto do parlamento britânico em pleno consenso aplaudir Zelensky de pé depois deste pedir a potencialização do conflito e que a Rússia fosse reconhecida como estado terrorista. Enquanto o líder do partido trabalhista britânico, Kier Starmer, adverte parlamentares do seu partido da coalisão “Stop the War” que serão expulsos se responsabilizassem a OTAN pelo conflito.

Fica a pergunta sobre o que a Europa fará com as milícias ucranianas neonazis que alimentou, financiou, treinou e viu ser institucionalizadas como parte da guarda nacional ucraniana, quando deixarem de ser patrimônio nacional ucraniano e começarem a cruzar as fronteiras europeias armados. 

Como é reconciliar as declarações de pacifismo e solidariedade moral às vítimas de guerra, com a demonização do outro, negando reconhecer-se como parte do problema? Não fere o princípio da dignidade humana que não haja nenhuma reação (sequer direi adequada) pelas vítimas da guerra do Iêmen, onde uma criança de menos de 5 anos morre a cada 74 segundos da fome? Onde se escondem os patrocinadores da Arábia Saudita e os demais democratas do mundo?